Reserva de mentiras
A revista Veja destacou três repórteres para aquilo que deveria ser uma reportagem definitiva sobre a suposta ameaça de o Brasil ter seu território produtivo amputado por milhares de reservas de proteção ambiental e destinadas a grupos étnicos específicos.
A publicação que mais vende no País chega a afirmar que “áreas de preservação ecológica, reservas indígenas e supostos antigos quilombos abarcam, hoje, 77,6% da extensão do Brasil”.
Segundo a revista, se a conta incluir ainda as cidades, os assentamentos para reforma agrária, os portos, as estradas e outras obras de infraestrutura, o total do território proibido para “atividades produtivas” chegaria a 90,6% e os brasileiros do futuro teriam que se contentar em produzir numa área do tamanho de São Paulo e Minas Gerais.
Tamanho nonsense, enunciado no início da reportagem, deveria bastar para afastar qualquer leitor com algum sentido de realidade.
Mas Veja parece ter definitivamente aderido a alguma seita movida a alucinógenos pesados.
E viaja no preconceito.
A revista afirma que existe uma organização altamente articulada que se dedica a congelar grandes fatias do território nacional, formada por Organizações Não-Governamentais e apoiada por antropólogos.
Essa suposta “indústria da demarcação” seria a grande ameaça ao futuro do Brasil.
O texto embrulha no mesmo pacote reservas extrativistas da Amazônia – onde a produtividade econômica é muitas vezes superior à da pecuária, gera mais emprego e produz e distribui mais riqueza –, não diferencia áreas de proteção de áreas de exploração restrita, confunde conceitos antropológicos e inventa pelo menos uma declaração.
O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, distribuiu no sábado uma mensagem na qual garante que a citação de uma frase sua por parte da revista é uma completa mentira.
Para fundamentar uma de suas afirmações, Veja atribui ao antropólogo a frase segundo a qual ‘não basta dizer que é índio para se transformar em um deles. Só é índio quem nasce, cresce e vive num ambiente cultural original’ . Castro assegura que não deu a entrevista, que não pensa assim e que considera a reportagem “repugnante”.
Veja acaba de inventar a reserva de frases manipuladas.
Tirando o véu
Alberto Dines:
– Sábado à noite, feriado nacional, descontração, nenhuma tragédia à vista – a não ser a tragédia grega – e eis que o “Jornal Nacional” solta uma bomba: o Vaticano assumiu o controle da Legião de Cristo, condenou o seu fundador, o sacerdote mexicano Marcial Maciel, por abusos sexuais e o classifica como “homem sem escrúpulos”. Um mês antes, os interventores da Santa Sé na Legião de Cristo anunciaram os resultados de uma longa investigação e embora a mídia internacional acompanhasse o caso de perto, no Brasil ficou sob embargo, sobretudo porque a condenação de Maciel atinge diretamente o papa João Paulo II, seu protetor, verdadeiro padrinho.
O que levou os editores do “Jornal Nacional” a liberar a notícia? Desatenção? Impensável. Tudo indica que acabou a política do sigilo e a prova foi dada ontem, domingo, pelo Globo: apenas o jornalão carioca noticiou o desmonte da ordem. Como nada acontece por acaso, nem isoladamente, os novos ventos logo soprarão nas demais redações.
Para os privilegiados leitores do site do “Observatório da Imprensa”, o padre Maciel é figura manjada mas convém lembrar aos demais leitores e ouvintes que o mexicano não foi apenas um pecador, delinqüente e tarado, era também um militante político de extrema importância.
Os Legionários de Cristo eram o braço armado da ultra-direita católica. A Legião prosperou durante a longa ditadura franquista na Espanha, expandiu-se no Novo Mundo e em parte dos Estados Unidos. Apesar dos votos de celibato e castidade, Maciel amasiou-se com pelo menos duas mulheres, teve três filhos e abusou sexualmente deles. Grandes mudanças muitas vezes são noticiadas em surdina, sem estardalhaço. O tranqüilo noticiário sobre a ruína da Legião de Cristo pode significar profundas modificações na imprensa brasileira.
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El Vaticano degrada a los Legionarios – Miguel Mora [El País, em espanhol]