Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Retrocesso institucional
>>Denuncismo revisteiro

Retrocesso institucional


Fazer acordo com criminosos presos, tirar a polícia das ruas no momento de maior ameaça e, depois, liberar a matança indiscriminada, no varejo, são caminhos seguidos pelas autoridades paulistas que levam a um único resultado: piorar as coisas. Enfraquecer e desmoralizar o Estado. A Folha desta quarta-feira, 17 de maio, resume: Polícia prende 24 e mata 33 em 12 horas.


A mídia deve reagir com a maior veemência contra esse retrocesso institucional. Um ponto de honra de todos os veículos deveria ser recusar a retórica da polícia segundo a qual foram mortos 71 “bandidos”, como escreve hoje o Globo. Dando o benefício da dúvida para a polícia, a palavra seria “suspeitos”.


Mas o termo jornalisticamente adequado para descrever essas mortes, assim como as dos policiais, demais servidores do Estado e outros cidadãos, é “execuções”. Assassinato é crime, seja quem for o autor.


Vidas e vidas


O senador Eduardo Suplicy declara que, para salvar vidas, vale negociar. Em tese, sim. Mas o número de mortos depois das negociações invalida o raciocínio. Ou o senador diria que umas vidas valem mais do que outras?


No caso concreto é mais acertada a declaração do ex-presidente Fernando Henrique: a negociação só pode ser um expediente tático. Se for uma política sistemática, significa transformar a organização criminosa em força reconhecida. Hoje, é fácil para Fernando Henrique criticar, mas em seus oito anos de governo, e nos doze de seu partido em São Paulo, a situação da criminalidade violenta se agravou e o Estado recuou.


O caso é grande, governador


Em matéria de declarações alienadas, a pior foi do governador Cláudio Lembo. Disse que o caso era pequeno para o Exército. Não, governador. O caso é grande para a polícia, para o Exército, para a sociedade brasileira. Tão grande que conseguiu desviar do leito, até aqui por uma semana, a campanha eleitoral de 2006.


O tamanho da tropa


Policiais dizem que há 90 mil PMs nas ruas paulistas. É mentira, e a imprensa não deveria papagueá-la. A cada turno de trabalho de oito horas os policiais militares nas ruas não passam de 20 mil. Num estado que tem 645 municípios.


A ilusão da linha dura


O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tem razão quando questiona a aprovação de novas leis penais baseadas no pânico. Isso nunca dá certo. No Brasil existe a mania de achar que leis resolvem. A mídia deve rejeitar essas falsas soluções, sem se dobrar à vociferação dos partidários da linha dura.



Denuncismo revisteiro


No programa de televisão do Observatório da Imprensa de ontem à noite, o secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República, André Singer, disse que a Veja cometeu erros jornalísticos fundamentais ao divulgar sem qualquer comprovação uma suposta lista de contas no exterior do presidente Lula e de ministros de seu governo.


Luís Nassif, da Folha, viu no episódio uma trapalhada. O que a Veja tinha nas mãos seria a denúncia de um dossiê forjado por uma de suas fontes, o banqueiro Daniel Dantas, que posteriormente se eximiu de qualquer responsabilidade. Ao invés de fazer essa denúncia, argumentou Nassif, a revista equiparou autores e vítimas da difamação.


Cabe acrescentar que a Época, no episódio do caseiro Francenildo, fez exatamente a mesma coisa. Em vez de denunciar a quebra do sigilo bancário, prestou-se a uma tentativa governista de desmoralizar a testemunha.


Luiz Garcia, do Globo, disse que o denuncismo é muito forte sobretudo nas revistas desde o fim da ditadura, quando espiões aposentados se insinuaram junto às redações. Essa situação se agravou, segundo Garcia, a partir da entrevista de Pedro Collor à mesma Veja. A edição foi uma aberração jornalística, mas deu certo, disse o veterano do Globo, porque houve o impeachment do presidente Collor. Garcia fez questão de estabelecer uma diferença nítida entre métodos de jornais e de revistas.


Alberto Dines, que desde o primeiro momento chamou a reportagem da Veja de impostura jornalística, lamentou que os jornais tenham se limitado a repercuti-la, sem criticá-la.



Mercados míopes


Miriam Leitão faz hoje no Globo uma crítica aos métodos de trabalho das agências classificatórias de risco-país e à visão curta dos operadores do mercado financeiro. A jornalista dá como exemplo a maneira errada como foi avaliada a situação da Bolívia, que nos ratings da vida estava próxima do Brasil e hoje rasga contratos.


Mas também os progressos institucionais brasileiros alardeados atualmente – vide a pregação do ex-ministro Maílson da Nóbrega – são ilusórios quando se constata que o crime organizado consegue dobrar as forças de segurança e afetar a vida e a economia do estado mais populoso e menos pobre do país, São Paulo.


O Brasil não entende o Brasil. E a mídia tem papel estrutural nesse desastre.


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