Sem golpismo
Um dos caminhos desaconselháveis na crise do “mensalão” é uma partidarização extremista dos trabalhos nas CPIs do Congresso e no Conselho de Ética da Câmara. Já existe a percepção – talvez não uma convicção técnica, mas a percepção – de que os tribunais superiores perderam a aura solene de neutralidade e põem sua colher na sopa da política.
É ato belicoso reeditar a tese do impeachment do presidente Lula para retaliar, com base em mais do mesmo, ou seja, financiamento irregular da campanha eleitoral de 2002. Isso já se sabia desde o início. Os dois maioires partidos oposicionistas, PSDB e PFL, haviam descartado o caminho do pedido de impeachment, enquanto o PT fazia agitação com uma “conspiração das elites”. Entendia-se que quase todas as campanhas eleitorais tiveram financiamento irregular. A imprensa deu seu beneplácito a essa disposição cautelosa. Impeachment só pode voltar à agenda se houver fato novo.
O mistério perdura
Uma perícia técnica constatou ser verdade a afirmação de Gilberto Carvalho, assessor do presidente Lula, de que não falou aos irmãos de Celso Daniel sobre entrega de recursos para José Dirceu. A notícia está hoje na Folha de S. Paulo, que solicitou a realização da perícia.
Se o teste tiver validade científica, faltam peças no quebra-cabeças de Santo André.
Jornalismo e entretenimento
O Alberto Dines mostra como um noticiário de televisão pode vestir notícias com a roupa do espetáculo e rebaixar a hierarquia dos assuntos mais relevantes.
Dines:
– Mauro, a temperatura política subiu novamente, o clima em Brasília está outra vez tenso, mas a matéria de abertura do Jornal Nacional de ontem foi a chegada dos cento e poucos turistas brasileiros bloqueados pelo furacão Wilma em Cancún. Está virando rotina: brasileiro no exterior ganha imediatamente status de herói e os seus 15 segundos de fama. Há vários dias sabia-se que todos os turistas estavam todos bem, que uma operadora deveria despachar um avião para trazer os seus clientes de volta e mesmo assim o mais importante noticiário noturno da TV brasileira preferiu iniciar a sua edição com o registro do triunfal regresso dos indômitos viajantes, com direito a derramar copiosas lágrimas em close.
Empolgados com o feito destes patrícios que enfrentaram galhardamente os impiedosos ventos mexicanos de 280 quilômetros por hora, os editores do Jornal Nacional esqueceram de mostrar o que está se passando na nossa Amazônia flagelada pela maior seca dos últimos 60 anos e como se sente o bispo d. Luís Cápio com a notícia de que o governo está disposto a tocar o projeto de transposição do S. Francisco. Não devem ser notícias importantes.
Figurinhas carimbadas
O outro lado é que os mesmos políticos e pessoas notórias aparecem o tempo todo nos noticiários. O jornalista Pablo Uchoa resume de Londres conclusões de uma pesquisa universitária feita em Portugal sobre a mesmice das fontes da mídia.
Uchoa:
– Não é só no Brasil que a cobertura da imprensa passa longe de escutar quem, no fim das contas, paga o salário dos jornalistas: o leitor.
Uma pesquisa feita na Universidade do Minho, em Portugal, concluiu que as TVs portuguesas atrapalham a renovação da elite política do país.
Segundo a professora Felisbela Lopes, que avaliou os noticiários semanais entre 1993 e 2003, “os donos do plâteau foram sempre as mesmas pessoas a falar da vida de todos nós”. Ou seja: os mesmos políticos, os mesmos economistas, os mesmos intelectuais que parecem estar em toda cobertura, em todos os canais.
Para a professora, uma sociedade civil à margem da cobertura da imprensa não vale como opinião pública. E isso seria um déficit de cidadania.
Lula derrota Chávez
O presidente Lula pode comemorar uma notícia que os jornais não dão nesta sexta-feira, 28 de outubro. Uma pesquisa anual do instituto chileno Latinbarómetro feita em 18 países da América Latina, a pedido da revista The Economist, mostra que Lula é o presidente que tem a melhor avaliação, com nota 5,7. Hugo Chávez ocupa o segundo lugar, com 4,9. A rigor, Lula não será o único a comemorar.
No Brasil, em 1996, 50 por cento dos entrevistados consideravam a democracia preferível a qualquer tipo de governo. Esse número caiu para 37 por cento em 2004. Mas o apoio a um governo autoritário caiu de 24 por cento para 15 por cento.
Como afirma The Economist, vai ser difícil instaurar novas ditaduras, mas a pobreza, a desigualdade e uma herança de práticas autoritárias tiram pontos da democracia.