Sinais inquietantes
Cada vez mais a dinâmica da campanha eleitoral prevalece no noticiário político. São os desdobramentos das pesquisas que conduzirão a mídia até a retomada plena das atividades, depois do Natal e do revéillon. Mas o país está longe de contar com um balanço adequado da crise de corrupção que se desdobra desde maio. E começam a surgir novos sinais inquietantes, como a votação de ontem do pedido de cassação do deputado Romeu Queiroz.
A voz da sociedade
O Alberto Dines sentiu falta de uma cobertura mais ágil, pelos jornais, da votação de ontem na Câmara.
Dines:
Apesar das novas tecnologias, Folha e Estado não conseguiram oferecer aos assinantes um noticiário mais extenso sobre a absolvição do deputado Romeu Queiroz pela Câmara. Foram breves – mais o Estado e menos a folha – , e de qualquer modo não foram suficientes. Por enquanto, por isso, não se sabe se estão convencidos da inocência do parlamentar, ou apenas resignados com as respectivas inércias diante da TV Globo, que ontem, pouco depois da meia-noite, já oferecia amplas informações sobre a surpreendente absolvição.
Desta vez a voz da sociedade se fará conhecida não pelos jornais, mas pelos noticiários dos rádios e televisão, em suas edições matutinas. De qualquer forma, uma coisa é certa: os deputados imaginam que seus eleitores já cansaram da crise. Enganam-se redondamente e vão pagar caro por isso.
Bom exemplo subestimado
A deputada Denise Frossard, do PPS do Rio de Janeiro, mantém em suas páginas na internet um contador de dinheiro público não utilizado por seu gabinete na Câmara. O valor acumulado entre abril e novembro é de R$ 70.600. Em março, a ex-juíza mandou ofício ao então presidente Severino Cavalcanti comunicando que não faria uso dos 25% de aumento da verba dos deputados decidido pela Mesa.
O assunto tem sido subestimado pela mídia.
O Brasil visto no exterior
A Associação dos Correspondentes Estrangeiros sediada em São Paulo promoveu ontem um debate sobre a imprensa estrangeira, a crise e a imagem do Brasil. O jornalista Victor Guerrero, da Radio Nacional de Espanha, contou um episódio relacionado com crianças indígenas em Dourados, Mato Grosso do Sul, que estariam morrendo de fome, num momento em que seguia a pleno vapor a campanha do Fome Zero. Guerrero constatou que não se tratava de fome, mas de malnutrição. Havia alimentos, mas os índios não sabiam prepará-los, sua comunidade estava completamente desestruturada. Quando o jornalista comunicou isso ao editor, na Espanha, ele disse: Então, não é tão interessante assim. E não foi feita a reportagem.
Segundo Guerrero, os estereótipos que reforçam a imagem do Brasil como “país em guerra consigo mesmo” são criados pela própria imprensa brasileira e disseminados, sem visão crítica, pela mídia estrangeira.
[Em 24 de dezembro, recebi mensagem de Victor Guerrero na qual ele esclarece que a matéria foi feita, tanto para a rádio quanto para a televisão, a despeito de ter havido o comentário citado acima. A reportagem foi enviada para a Espanha e retransmitida sem qualquer comentário.]
De onde saiu o dinheiro?
Em conversa com jornalistas ontem na Bovespa, onde se realizou o encontro de correspondentes estrangeiros, o presidente da Bolsa de Valores, Raymundo Magliano Filho, comentou as dificuldades enfrentadas pelas CPIs para destrinchar informações financeiras, e retomou a pergunta básica que ainda não foi respondida desde que eclodiu a crise do “mensalão”: de onde saiu o dinheiro do “valerioduto”? A Bovespa emprestou um técnico experiente para ajudar a CPI a decifrar os meandros financeiros do esquema de corrupção.
Desafio boliviano
A eleição de domingo na Bolívia marcará uma mudança importante mesmo que o vencedor não seja Evo Morales, líder cocaleiro que se apresenta pelo Movimento ao Socialismo, MAS. Pela primeira vez os governadores dos nove estados bolivianos serão eleitos e não escolhidos pelo governo central de La Paz, que ainda nomeia professores, médicos e policiais no país inteiro. As divisões regionais e étnicas serão acentuadas. Se Evo Morales ganhar a votação popular e for ratificado pelo Congresso, terá duas grandes dificuldades pela frente: minoria parlamentar e alta expectativa dos movimentos populares. Na semana passada, um grupo de sindicatos e movimentos sociais anunciou que Morales teria 90 dias para “eliminar” a economia neo-liberal.
A imprensa brasileira passou tanto tempo alheia à Bolívia que agora precisará redobrar os esforços para dar um quadro menos superficial das eleições no país vizinho.