Sutilezas e escândalos
Os jornais paulistas de circulação nacional, O Estado e a Folha, abrem manchetes parecidas para anunciar medidas de apoio às montadoras de automóveis em São Paulo e em Minas Gerais.
A Folha destaca apenas a iniciativa do governo paulista, que coloca recursos complementares da Nossa Caixa em reforço à oferta de crédito já feita anteriormente pelo Banco do Brasil.
Mas apresenta um comentário observando que o efeito da medida é apenas político, uma vez que a Nossa Caixa deverá ser vendida ao Banco do Brasil, de onde, afinal, sairá todo o dinheiro para estimular a venda de automóveis.
O Estado de S.Paulo relaciona os pacotes de ajuda diretamente à sucessão presidencial, lembrando que os governadores de São Paulo e Minas são tidos como pré-candidatos à Presidência da República.
Da maneira como os jornais abordam o tema, toda medida de socorro aos setores ameaçados pela crise econômica vai parecer oportunismo político.
Mas a crise é real e o leitor não tem como saber, pelo noticiário, que efeitos a medida anunciada terá em seu desejo ou necessidade de comprar um carro.
Às vezes o jornalismo é tão sutil que destaca as entrelinhas e esconde o fato principal.
Por outro lado, a decisão do governo federal de anistiar entidades filantrópicas envolvidas em fraudes recebe atenções diferentes dos jornais.
O tema é a medida provisória editada segunda-feira (10/11), anistiando na prática instituições que adquiriram irregularmente o certificado de filantropia e que podem ter causado prejuízo de 5 bilhões de reais em impostos sonegados.
O tema é manchete do Globo, mas não aparece com destaque nas primeiras páginas do Estadão e da Folha de S.Paulo.
O Globo considera um escândalo o fato de uma medida provisória permitir a renovação automática dos certificados de filantropia de mais de duas mil entidades, que haviam sido suspensos ou cancelados por suspeita de irregularidades.
No título da reportagem, o Globo dá a dimensão de escândalo à medida: ‘Vitória da quadrilha do pagou, isentou’.
No meio do confuso noticiário sobre a investigação dos investigadores da chamada Operação Satiagraha, destaca-se o fato mais do que esperado: os advogados do banqueiro Daniel Dantas impetram habeas-corpus para livrá-lo dos processos.
Os policiais e agentes especiais destacados para investigar o banqueiro são acusados de abuso na coleta de informações.
O banqueiro é acusado de evasão de divisas, lavagem de dinheiro, fraudes financeiras, formação de quadrilha e corrupção ativa.
Estão abertas as apostas sobre quem vai ser condenado.
Esquecendo a História
Já se disse neste Observatório que a imprensa vem perdendo a capacidade de analisar os fatos sob a perspectiva mais profunda da História.
Nem toda notícia exige essa análise, mas a atual crise financeira global precisa de uma abordagem mais ambiciosa.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Em artigo publicado na edição online deste Observatório, você, Luciano, de passagem lembrou que no domingo, dia 9, fez dezenove anos que caiu o Muro de Berlim. E notou que a imprensa passou batida e sequer mencionou a efeméride. Convenhamos: a queda do Muro e o subseqüente incremento da globalização dos mercados e dos sistemas produtivos tinham e têm tudo para servir de rico contraponto jornalístico à crise financeira global a que assistimos hoje. Uma coisa é ligada à outra.
O problema é que a pauta burocratizou-se e só presta atenção às datas redondas. Pode esperar que, ano que vem, no marco dos vinte anos, teremos uma profusão de cadernos especiais, programas e encartes alusivos ao desmantelamento simbólico do socialismo real. Mas no hoje, no aqui e agora, essa correlação não foi percebida.
A velocidade da informação e as operações baseadas em plataformas digitais de fato trouxeram um ganho de escala à produção jornalística, mas o tempo conquistado pela nova produtividade foi apropriado, prioritariamente, pelos esquemas industriais, e não pelo trabalho dos jornalistas. Isso provoca uma pressa muitas vezes insana em dar a notícia primeiro que a concorrência, e faz com que repórteres e editores esqueçam de juntar os nexos tão necessários a uma edição inteligível, a uma boa reportagem, a uma análise consistente e esclarecedora. E como essa precipitação tende a virar rotina, o leitor e a audiência acabam se acostumando a ela, até porque não lhe oferecem coisa melhor. É uma pena, um serviço malfeito.