Um quadro desolador
O ponto alto do tema foi dado pelo Globo, na edição do último domingo, dia 15, na reportagem que foi manchete do jornal: dedicado à partilha de cargos entre suas várias correntes partidárias, o Congresso nacional deixa de cumprir sua missão constitucional.
Em consequência da rotina negligente da Câmara e do Senado, cerca de 30 mil propostas legais esperam para ser votadas.
Para zerar a pilha de projetos que aguardam decisão dos parlamentares, seria preciso um século de sessões ordinárias, calcula o Globo.
A reportagem se soma a outras notícias e artigos que analisam a falta de ambição do Parlamento, que vê sua função de legislar ser assumida pelo Executivo, através das Medidas Provisórias, e pelo Supremo Tribunal Federal, como aconteceu no caso recente do direito à união civil de homossexuais.
Ainda no domingo, a Folha de S. Paulo dedicou duas páginas a disputas entre os grupos da situação e da oposição, que tem como principal característica a falta de um debate realmente político.
Por outro lado, o Estadão analisa a crise no PSDB e os movimentos na base aliada para reduzir o poder dos chefões do PMDB José Sarney e Michel Temer.
Nesta segunda-feira, a Folha dá sequência à crônica das articulações de bastidores com um suposto plano dos senador Aécio Neves para criar um novo partido de oposição.
Ainda na segunda, dia 16, uma entrevista do novo superintendente da Polícia Federal em São Paulo ao Estadão, na qual ele fala sobre a infiltração do crime organizado no poder público, completa o quadro desolador.
Lido assim, transversalmente, como se tudo tivesse sido publicado no mesmo dia, o material trazido pelos principais jornais do País desde o final de semana pode produzir no leitor atento um temor muito concreto: o de que o Brasil não possui instituições públicas suficientemente sólidas para garantir a democracia.
O quadro é composto por partidos políticos sem consistência ideológica, dominados por líderes que agem como chefes de bandos, um Congresso que não faz seu trabalho, e que quando resolve votar apenas cumpre os compromissos com os “lobbies” que financiam as campanhas eleitorais, enquanto a sociedade assiste a tudo isso como se fosse uma série da televisão.
Mais do que nunca, precisamos de uma imprensa que saiba ser realmente livre e independente.
O fim da quarentena
Alberto Dines:
– Acabou a lua-de-mel ou a quarentena: a mídia voltou a espicaçar o governo, no caso, o Ministro-Chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Na edição de ontem, a Folha denunciou um aumento muito expressivo e, aparentemente, sem justificativas do patrimônio do ex-ministro da Fazenda.
Não foi vazamento, nem boato: o jornal investigou com cuidado, pediu explicações ao denunciado e como as considerou insatisfatórias, destacou em manchete. Manchete discreta, diga-se, de apenas três colunas. No dia anterior, sábado, o principal título da capa (sobre a vingança do taleban) era maior, ocupava quatro colunas. O tom da denúncia é contido, sem qualquer travo sensacionalista, desprovida de adjetivos ou ilações.
Ao contrário das anteriores revelações de semanários – geralmente sopradas para o resto dos veículos – esta saiu apenas na Folha. No meio da tarde repercutiu discretamente nos portais da internet e à noite nos telejornais.
O ministro Palocci sempre mereceu da mídia um tratamento especial, jornais e jornalistas apreciam sua competência, moderação e, sobretudo, sua prudência. O que não impediu seu afastamento em 2006, envolvido no caso da violação do sigilo bancário do caseiro de uma mansão na capital.
As explicações do ministro são fartas, mas insuficientes: o súbito e forte enriquecimento teria ocorrido quando era deputado federal, o que denota uma atividade de lobista que não chega a ser ilícita, é imprópria.
Quaisquer que sejam os desdobramentos evidencia-se que a imprensa aprendeu a exercer o seu papel fiscalizador de forma madura, equilibrada, quase impessoal, sem o furor de outros episódios. Resta saber se os demais poderes vão aprender a comportar-se reconhecendo e punindo os seus malfeitos.