Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Uma certa esquizofrenia
>>Para pensar na História

Uma certa esquizofrenia

Os jornais de hoje corrigem o erro da edição de segunda-feira, quando todos afirmaram que os venezuelanos haviam escolhido o ‘sim’ no referendo proposto pelo presidente Hugo Chávez.

Obviamente, todos eles publicam hoje que, pelo contrário, a decisão do povo venezuelano que foi às urnas é de rejeitar as mudanças constitucionais propostas por seu presidente.

Mas os jornais fingem que não publicaram as análises publicadas segunda-feira em cima da suposta – e desmentida – vitória de Chávez.

Todas aquelas ameaças à democracia na América Latina de repente se desvaneceram.

E os leitores ficam sem saber se realmente houve algum dia o risco de termos uma ditadura na vizinhança da Amazônia.

O que saiu hoje nos jornais é que a Venezuela, um país democrático, votou uma proposta de seu presidente e a rejeitou.

Também está publicado em todos os jornais que o presidente da Venezuela aceitou a decisão das urnas.

Democraticamente.

Mas algumas perguntas ficam no ar.

Por exemplo, se os institutos de pesquisa afirmam que em nenhum momento, durante as apurações, divulgaram boletins dizendo que o ‘sim’ havia vencido, de onde os jornais tiraram a informação de que Hugo Chávez havia conseguido aprovar sua proposta de constituição bolivariana, conforme foi publicado na segunda-feira?

E qual foi a fonte da informação equivocada, tão segura, que motivou análises anunciando mudanças no panorama político da América Latina?

A imprensa ficou devendo algumas explicações.

E mesmo as edições de hoje pecam por abordagens apressadas, que não permitem ao leitor entender o que acontece realmente na Venezuela.

O clima eleitoral, com celebrações de chavistas, na noite de domingo, e comemorações da oposição, na segunda-feira, sem conflitos mais graves do que os que costumam acontecer em disputas políticas em todos os países do mundo, mostra que o processo transcorreu normalmente.

Os observadores internacionais que se encontravam na Venezuela afirmam que o povo teve liberdade para votar como quis, e que as autoridades não tentaram interferir no resultado.

De tudo que se podia ler até ontem nos grandes jornais brasileiros, só era possível tirar uma conclusão: a Venezuela vivia sob uma ditadura, e o ditador estava prestes a ampliar ainda mais seus poderes.

De tudo que se pode ler hoje nos grandes jornais brasileiros, é possível concluir que os venezuelanos vivem numa democracia.

O que será que os jornais vão afirmar amanhã?

Para pensar na História

O fato que os jornais escondem é que não se pode fazer análises definitivas sobre a opinião dos venezuelanos a respeito do polêmico ideário político de seu presidente.

Apenas 4 milhões e meio dos 16 milhões de eleitores foram às urnas. E a imprensa observa que a maioria das ausências ocorreu nas regiões onde é mais forte a presença de apoiadores de Chávez, o que pode indicar que os próprios chavistas decidiram apontar um limite ao seu líder.

Os fatos podem estar indicando, ao contrário do que vêm dizendo os jornais nos últimos meses, que os venezuelanos participam livremente da política e decidem soberanamente o que desejam.

O referendo na Venezuela, com todos seus ingredientes de resgate do passado histórico que propõe o chamado ‘bolivarianismo’, oferece uma oportunidade para a sociedade latino-americana refletir sobre seu passado e sua História.

É o que vai propor o Observatório da Imprensa na TV: uma série reflexiva sobre os 200 anos da transferência da corte portuguesa para o Brasil.

Dines:

– Os 200 anos da chegada da família real ao Brasil parecem mais animados do que os 500 anos do descobrimento. Em 1500, o herói foi o acaso. Em 1808, são muitos os protagonistas, o nascimento da nação está mais visível. A mídia, desta vez, está sabendo aproximar o passado do presente, mesmo que as efemérides sejam um pouco mais cariocas do que paulistas. Hoje, no ‘Observatório da Imprensa’, o primeiro de uma série de programas sobre o ano do recomeço. Às 22:40, ao vivo, pela Rede Cultura e pela TV-E.