Uma só notícia
Infelizmente, a notícia que predomina hoje nos jornais brasileiros é a crônica da tragédia anunciada. Esse é o tom de todas as manchetes desta quarta-feira, quando um acidente de gravíssimas proporções fecha uma longa sucessão de notícias sobre uma crise no setor de transporte aéreo.
Todos os grandes jornais que se pretendem de circulação nacional foram direto ao ponto: a pista principal do aeroporto de Congonhas não estava preparada para operações em dias de chuva. Fora inaugurada antes do prazo, sob pressões da opinião pública e das empresas aéreas, sem as ranhuras que deveriam melhorar a aderência dos pneus das aeronaves nos pousos e decolagens.
Não faltaram avisos
As autoridades da Infraero julgaram entre o conforto dos passageiros e a segurança, e consideraram que, com os dias mais secos no inverno, a pista poderia ser utilizada. Com a capital paulista sob chuva por mais de 48 horas, um acidente grave era apenas questão de tempo, dizem os jornais.
A tragédia e a festa
O Globo encontrou uma fórmula para fazer conviverem na mesma página as duas manchetes do dia. Diz a manchete principal: “Nova tragédia põe em xeque segurança aérea no Brasil”. No pé da página, diz o título sobre as conquistas de atletas brasileiros nos Jogos Panamericanos do Rio: “Alegria antes da tristeza”. Uma solução menos chocante, entre as patriotadas do noticiário esportivo e a imposição da tragédia.
Apenas um detalhe na primeira página do jornal pode ser tido como inconveniente: a charge que mostra o prefeito do Rio, César Maia, tentando se eximir da suspeita de haver organizado a vaia contra o presidente Lula, na abertura dos Jogos Panamericanos. É sempre de gosto discutível mesclar humorismo com tragédia.
Em busca de culpados
A Folha de S.Paulo, que demonstra uma opção preferencial pelas estatísticas, conseguiu uma cobertura intensa a partir de depoimentos e equilibrou os fatos de Congonhas com os antecedentes da tragédia, sem maiores ilações exteriores ao acontecimento. Considerando-se que a cada tragédia se segue a busca dos responsáveis, tornam-se relevantes alguns detalhes do noticiário, que contém geralmente a primeira tese desenvolvida nas redações.
Discretamente, num texto assinado pela colunista de política Eliane Cantanhêde, a Folha dá uma pista de que as responsabilidades não irão se concentrar apenas nas autoridades. Ali está dito que o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do Ministério da Aeronáutica já havia feito alertas há meses sobre os perigos do excesso de tráfego em Congonhas. Mas, segundo a jornalista, as companhias aéreas se recusaram a aliviar o aeroporto para não perder mercado, e a Agência Nacional de Aviação Civil não teria tomado providências nesse sentido.
O viés que distorce
Não foi um acidente relacionado à crise no controle de tráfego aéreo. O noticiário não deixa dúvidas de que a operação de aproximação e pouso foi realizada normalmente. Em função da pista escorregadia, ou por excesso de velocidade, dizem os jornais, o Airbus deslizou em direção ao desastre. Mas não haveria de faltar quem procurasse vincular a tragédia ao persistente problema que envolve os controladores de vôo.
A política na tragédia
O jornal O Estado de S.Paulo conseguiu, de um modo nada sutil, armar uma forma de vincular o acidente em Congonhas à imagem do presidente da República. Por mais que se esforce o observador, não há como explicar a publicação na primeira página do jornal, logo abaixo da imensa manchete e da grande fotografia da tragédia, do resumo de um editorial no qual o jornal critica o presidente. O título do editorial “O jeito lulista de (não) governar” deixa pouca margem para outras interpretações que não seja a intenção de induzir o leitor, de maneira nada sutil, a pensar no presidente Lula ao refletir sobre a tragédia.