Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Uma versão paraguaia
>>Bandidos comuns

Uma versão paraguaia


Os jornais desta quarta-feira dão destaque à notícia vinda do Paraguai, segundo a qual dois brasileiros estariam envolvidos no atentado a tiros contra o senador Robert Acevedo, na cidade de Pedro Juan Caballero, que faz fronteira com Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul.


Os jornais “compram” a tese de que os dois acusados seriam ligados à facção criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital – PCC – que estaria atuando em ligação com um suposto grupo guerrilheiro, denominado Exército do Povo Paraguaio, e até das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.


Segundo a versão geral apresentada pela imprensa, o atentado teria resultado de uma combinação de forças do narcotráfico internacional com grupos terroristas e o crime organizado que domina os presídios paulistas.


Há uma série de equívocos, mistificações e exageros no noticiário, e é preciso ler pelo menos três jornais brasileiros e a imprensa paraguaia para se compor um quadro mais verossímil dos acontecimentos.


Em primeiro lugar, especialistas citados pelos jornais duvidam da própria existência de um grupo guerrilheiro no Paraguai. O chamado Exército do Povo Paraguaio não passaria de uma fantasia criada por políticos conservadores interessados em desestabilizar o governo daquele país.


Os atentados e sequestros cometidos em nome dessa organização seriam na verdade praticados por criminosos comuns.


Uma rápida olhada nos arquivos de notícias sobre o Paraguai revela que não há registros confirmados de ações políticas de tal organização.


Ela aparece do nada, alguns meses após a posse do presidente Fernando Lugo, em notas de alguns jornais, e a imprensa paraguaia trata o grupo como uma organização criminosa semelhante ao Comando Vermelho, que atua no Rio, e ao PCC, que concentra seu poder em São Paulo.


A mistificação e a politização do noticiário sobre as ações do crime organizado são de interesse de partidos conservadores e do próprio crime organizado.


A repetição da versão que dá a criminosos comuns o status de objetores ideológicos confunde o leitor e glamuriza a ação de bandidos, contribuindo para criminalizar movimentos sociais legítimos. 


Bandidos comuns


Analistas citados pela Folha e pelo Estado de S.Paulo acham mais provável que os dois brasileiros presos tenham sido pagos por traficantes para matar Robert Acevedo.


O próprio senador comenta, em entrevista, que fora avisado por um informante de que uma organização criminosa havia oferecido um prêmio de 300 mil dólares a pistoleiros para eliminá-lo.


Ainda assim, no corpo principal do noticiário os jornais insistem na existência do tal Exército do Povo Paraguaio, identificando-o como um grupo de guerrilha política.


Trata-se de uma sigla usada por contrabandistas e traficantes que atuam no norte do Paraguai, em uma zona restrita onde o governo daquele país decretou recentemente estado de emergência por causa do aumento da criminalidade.


Apesar de o noticiário geral induzir o leitor a interpretar o acontecimento como uma ampla conspiração internacional envolvendo grupos guerrilheiros, detalhes publicados nos principais jornais deixam claro que se trata de uma ação criminosa comum.


Os dois brasileiros presos em Assunção e vinculados ao atentado contra o senador Acevedo são ex-presidiários, provavelmente ligados à organização conhecida como PCC.


Teriam agido motivados pelo prêmio prometido pelos inimigos do senador, o que não reduz a gravidade dos acontecimentos.


A versão de que a tentativa de assassinato do político paraguaio teria resultado de uma ação conjunta de grupos guerrilheiros com o crime organizado não convence os especialistas citados pela imprensa.


Em vez de dar curso a teorias conspiratórias sem muito fundamento, os jornais poderiam se aprofundar na análise do verdadeiro e muito grave risco que representa, não apenas para o Brasil, a facilidade com que o crime organizado atua nas regiões de fronteira.


A existência de amplas regiões dominadas por criminosos é mais do que um problema policial – é questão de segurança nacional.


Mas os jornais parecem ter perdido a capacidade de investigar.


O noticiário, feito quase sempre de despachos de agências de notícias e opiniões de analistas, parece uma colcha de retalhos.