Veja acha o culpado
Quando entramos na terceira semana após o mais grave acidente da história da aviação no Brasil, a revista Veja anuncia que resolveu o mistério sobre as causas da tragédia com o Airbus da TAM: para Veja, o culpado é o comandante Kleyber Lima.
Fala, Alberto Dines
Alberto Dines:
– Embora Veja proclamasse neste fim de semana que teve acesso às primeiras informações da caixa-preta do Airbus da TAM, a verdade é que a hipótese de erro dos pilotos (ao acionar os manetes), já havia sido mencionada duas vezes na semana passada pelo brigadeiro Jorge Kersul Filho, diretor do CENIPA e merecido uma grande e minuciosa reportagem no ‘Estadão’. Nossa mídia anda muito afoita, assim também a militância anti-mídia. Uma eventual falha humana não exclui causas complementares – climáticas, no avião, na pista ou na torre de controle. A caça aos culpados não vai ressuscitar os mortos. Assim como a cruzada contra o ‘sensacionalismo’ da mídia não resolverá o colapso do transporte aéreo constatado inclusive pelo próprio governo. Uma mídia açodada, incapaz de investigar com cuidado é, geralmente, mais nociva do que uma mídia desatenta. A mesma conclusão pode-se tirar do noticiário de ontem à noite, depois da festa de encerramento do PAN, quando os portais de notícias da Internet anunciaram que o Rio de Janeiro havia passado no teste de segurança. Conviria esperar mais alguns dias porque bandidos também assistem à TV e também lêem jornais.
Luciano Martins:
Julgamento prematuro
Citando como fonte os dados ainda sigilosos obtidos da análise de uma das caixas-pretas do avião, Veja afirma, em reportagem de duas páginas, com mais duas páginas de imagens, que o piloto deixou um manete na posição de aceleração, quando deveria deixá-lo na posição correspondente à marcha lenta.
Claro que há outras causas, como o fato de o reverso da turbina direita estar travado, mas a sentença de Veja é definitiva. Pelo menos até a próxima edição.
Não custa lembrar que, em sua edição anterior, a nossa principal revista de informações havia apostado em uma derrapagem do avião como causa inicial do desastre. E havia insinuado, em destaque no rodapé da reportagem, que o co-piloto Henrique Stephanelli Di Sacco poderia ter sido o culpado.
Na edição deste fim de semana, Veja faz referência indireta ao erro da semana anterior, ao longo do texto principal, mas desta vez sem qualquer destaque.
E fica longe de apresentar alguma frase semelhante a um pedido de desculpas ou qualquer reparo ao dano que causou à imagem de Stephanelli e sua família.
Revistas sem pique
Época desistiu de apostar em adivinhações sobre o que vai dizer a análise final dos especialistas que investigam as causas do acidente. Resolveu discutir as características da crise na aviação civil brasileira e ouvir especialistas para três grupos de problemas que os editores da revista identificaram como os mais importantes.
O problema é que, ao trocar a atualidade pela análise, Época esfriou o texto, abrindo a reportagem com um nariz-de-cera de mais de trinta linhas, nas quais o redator faz uma interminável arenga sobre as probabilidades de alguém morrer num acidente aéreo.
A tragédia de Congonhas mostrou, em duas semana, que nossas principais revistas semanais de informação já não conseguem surpreender o leitor.
A melhor contribuição de Veja na semana é o perfil de alguns integrantes da Agência Nacional da Aviação Civil, no qual revela relações de promiscuidade com as empresas aéreas.
Poderia ter avançado nesse caminho, se realmente quisesse ser uma leitura indispensável.
Crise sem fim
Nos jornais, a crise na aviação civil não tem dia nem hora para acabar. O Estado de S. Paulo afirma, em manchete, que o aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, também já está operando no limite.
O jornal cita especialistas para dizer que Cumbica apresenta risco por causa de edificações próximas ao aeroporto, uma pista em situação precária que não pode ser reformada por causa do acidente em Congonhas, e outros problemas com segurança.
Já a Folha de S. Paulo, mais cautelosa, lembra que a mudança de vôos de Congonhas para Cumbica põe à prova hoje o aeroporto internacional de Guarulhos, considerando ainda que hoje é o dia da volta às aulas.
Protestos divergentes
O Globo tirou da manchete a tragédia de Congonhas nesta segunda-feira. Preferiu abrir a edição com o encerramento dos Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro, e deu grande destaque para a passeata realizada em São Paulo, em homenagem às vítimas do acidente com o Airbus da TAM.
Só que o jornal do Rio viu uma manifestação diferente da que foi relatada pelos dois principais jornais de São Paulo. ‘Manifestação contra o governo reúne milhares’, diz o Globo.
A Folha e o Estado relatam uma passeata de homenagem aos mortos, com cartazes de protesto contra autoridades e companhias aéreas. Os dois jornais paulistas destacam que se tratava de uma passeata de pessoas de classe média e a Folha chegou a contar os carros importados estacionados no local da partida.
Os jornais anunciam que os organizadores do protesto iniciaram a manifestação convocando os brasileiros para um dia sem vôo, marcado para 18 de agosto. A convocação será feita pela internet.
Fim de festa
Os jornais não foram foram unânimes nas comemorações do final dos Jogos Panamericanos no Rio.
O Estadão anota, na primeira página, que o presidente Lula foi vaiado, mas também aplaudido, pelo público presente à cerimônia de encerramento.
O Globo informa que também foram vaiados o prefeito César Maia e o governador do Rio, Sérgio Cabral.
A Folha também celebra o número recorde de medalhas obtidas pelo Brasil. Mas ressalva que, na grande maioria, as marcas atingidas pelos atletas brasileiros ainda estão longe de torná-los competitivos para as Olimpíadas, deixando no leitor um gosto amarco de fim de festa.