Complexidade ignorada
O Diário de São Paulo foi direto como costumam ser os jornais populares: ‘O freio não funcionou’, diz a manchete. Há muito mais a considerar, como sempre, na complexidade dos acidentes aéreos, mas o Diário resume a volúpia da imprensa, em certos momentos, em tudo explicar rapidamente, em dar para tudo a opinião definitiva.
Informações sempre
Alberto Dines:
Governo acabrunhado, imprensa vigilante. A informação de William Bonner no Jornal Nacional de ontem sobre a falha num dos reversores do Airbus da TAM, além de contribuir para o esclarecimento da catástrofe em Congonhas tem uma formidável importância política: o governo federal escondeu-se durante 48 horas, não conseguiu encarar a nação diante da maior catástrofe aérea da sua história, sequer apresentou condolências às famílias enlutadas. Só hoje à noite teremos o presidente da República oferecendo à sociedade brasileira algum tipo de consolo. Em compensação, a imprensa não abdicou dos seus deveres, estava lá em Congonhas minutos depois da tragédia e até hoje continua lá. A informação sobre a falha no reversor da turbina direita do Airbus não foi uma tirada denuncista como as que estamos acostumados a ler ou ouvir. Antes de ser levada ao ar foi checada com o próprio presidente da TAM, a contestação do empresário foi rebatida por novas informações. Tudo indica que a falha no reversor (que funciona como uma espécie de freio-motor do jato) foi decisiva para levá-lo além dos limites da pista. A catástrofe evidentemente não está inteiramente explicada, falta apurar ainda se as condições do piso — entregue ao intenso tráfego antes do prazo — não se somou à falha mecânica. Uma coisa parece certa: ficamos sem governo durante três dias, mas não ficamos sem informações.
A Globo define as manchetes
Deu no Jornal Nacional, que tem nas redações dos jornais seus mais fiés telespectadores. E virou manchete quase unânime. Apenas o consorte da TV Globo, o jornal O Globo, saiu com um título diferente: ‘Governo decide aliviar Congonhas e reduzir burocracia do setor aéreo’, afirma. A nota sobre o possível defeito no reversor da asa direita do Airbus acidentado vem logo abaixo.
Na sub-manchete, o Estado de S.Paulo nos informa que o governador José Serra pede providências ao Planalto, juntando-se ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, em mensagens nas quais ambos acusam o governo federal de dar prioridade ao conforto dos passageiros em detrimento da segurança. Agora que o eixo do noticiário se desloca para a possibilidade de defeito no avião, o destaque para a manifestação dos dois políticos pode soar como oportunismo em meio à tragédia.
Um gesto inconveniente
Mas é um gesto muito comum, que o antigo semanário Pasquim popularizou como o ‘top-top’, que vai ficar registrado na crônica destes nossos dias. O assessor de assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e um auxiliar, foram flagrados pelas câmeras da Globo, no momento em que o Jornal Nacional informava sobre o problema no reversor do Airbus. O comportamento é de torcida de futebol. Ambos negam que estivessem comemorando a mudança de rumo na interpretação das causas do desastre, mas a atitude revela muito sobre o governo.
Em momentos de crise, dizem os manuais seguidos pelas boas empresas, os protagonistas sob risco devem tomar cuidado redobrado com as manifestações que podem vir a público. O assessor Garcia estava em um gabinete, com as luzes acesas, sob vigilância da imprensa. Um gesto, como as palavras infelizes da ministra do Turismo, Martha Suplicy, em meio ao bombardeio da imprensa em torno da crise nos aeroportos, que vai funcionar como arma poderosa para a oposição nas futuras campanhas eleitorais. Os fatos induzem a imaginar que petistas são os principais inimigos do PT.
Novo aeroporto
Na Folha, o ex-presidente José Sarney, em artigo, lembra que o aeroporto de Congonhas foi construído em uma região desabitada, posteriormente invadida pela especulação imobiliária, com a cumplicidade das autoridades municipais. ‘Foi imprevisão, burrice ou desonestidade?’, questiona.
No Estadão, ficamos sabendo que a empreiteira Camargo Correia vai entregar em três meses aos governos estadual e federal o projeto de um novo aeroporto, que seria construído a 35 quilômetros de São Paulo. Se ficar aprovado, deve ficar pronto em três anos.
Citando Sarney, é de se perguntar quanto tempo levaria para esse futuro aeroporto ficar cercado de edifícios.
Outras reformas
Enquanto isso, outras providências que o País reclama vão sendo empurradas para algum outro dia. Fala, Alberto Dines.
Dines:
Todos os partidos sonham em aproveitar as regalias da legislação eleitoral para apresentar-se durante a exibição do telejornal noturno da Rede Globo, melhor palanque político não pode haver. Mas ontem à noite, os cinco minutos do PRB foram desastrosos para o novo partido. O âncora do programa foi José Alencar, vice-presidente de uma República que vive um de seus piores momentos, ex-ministro da Defesa que não se distingue muito do seu desastrado sucessor, parceiro do senador-bispo Marcelo Crivela e padrinho do ministro do Futuro, Mangabeira Unger. As bruxas estão soltas, é verdade, mas neste caso ofereceram uma grande justificativa para a urgência da reforma política.