Isolando a questão climática
A nota mais recente no noticiário sobre a questão ambiental é a decisão do governo da China de também comparecer à Conferência de Copenhague com uma meta voluntária ambiciosa de redução das emissões de gases do efeito estufa.
Com essa medida, completa-se um quadro mais favorável à obtenção de um compromisso internacional para ser cumprido, e não um pacote de declarações de efeito político.
No entanto, a imprensa brasileira ainda demonstra não haver assimilado o verdadeiro sentido do que está para acontecer na capital da Dinamarca daqui a poucos dias.
Um exemplo bastante claro de como os jornais enxergam a questão ambiental de maneira fragmentada está na edição desta sexta-feira do Estado de S.Paulo.
Com generosos patrocínios de três empresas, duas do setor petrolífero e uma do setor alimentício, o caderno especial sobre “vida e sustentabilidade” demonstra o senso de oportunidade do departamento comercial do jornalão paulista, mas agrega pouco conhecimento relevante ao leitor.
Traz um balanço das notícias já publicadas sobre as metas anunciadas por diversos países, declarações de personalidades sobre hábitos pessoais corretos e um levantamento sobre regiões do mundo que já estão sofrendo os efeitos das mudanças climáticas.
É sempre louvável qualquer esforço da imprensa para alertar o público sobre a gravidade do desafio que a humanidade está enfrentando, mas não é tudo.
Na mesma edição que traz, como os demais diários, a notícia de que a China vai se comprometer com uma redução de 40 a 45% das emissões de gases nocivos em relação ao Produto Interno Bruto e o caderno especial, o Estadão publica, separadamente, em um canto do caderno de Economia, a informação de que a Sadia é a primeira empresa do setor agrícola no mundo a obter o registro na ONU para negociar créditos de carbono.
Trata-se de um mecanismo de compensação financeira por programas sustentáveis de produção ainda controverso mas com grande potencial para estimular práticas mais saudáveis em todos os setores da economia.
Ao isolar essa notícia do contexto em que celebra os possíveis acordos em Copenague, o jornal repete a resistência da imprensa brasileira em vincular a questão climática a mudanças no sistema econômico.
Notícias sem contexto
Alberto Dines:
– A mídia badalou ontem o dia inteiro a disposição do governo chinês de reduzir em 40% suas emissões de CO2 até 2020. Nos dias anteriores, aconteceu a mesma coisa com a promessa de Barack Obama de cortar 17%. Também foi intenso, ontem, o noticiário sobre as inundações no Rio Grande do Sul, com 66 municípios em situação de emergência. Nesta dramática primavera o Estado já sofreu 12 violentos temporais cujos efeitos sobre a nossa economia fatalmente aparecerão na próxima safra.
Mas a nossa mídia não consegue colocar no mesmo contexto o noticiário sobre a COP15 que se realizará em Copenhage e os desastrosos efeitos do aquecimento global visíveis em nosso cotidiano. Como se fossem assuntos distintos, divergentes.
Ontem também nos jornalões paulistanos os maiores anúncios vendiam carrões importados (nenhum deles Flex) e apartamentos de alto luxo em bairros já saturados. A mídia já não consegue conectar os temas afins e, pior do que isso, não tem a coragem de denunciar hábitos e estilos de vida que apressam a catástrofe ambiental.
O efeito estufa não depende apenas da boa-vontade e do idealismo dos chefes de Estado; é preciso lembrar que o veloz degelo na Groelândia é um indício tão grave quanto o atual dilúvio no Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina.
Se não mudamos o nosso modo de vida e hábitos de consumo de nada adiantarão as pomposas conferências internacionais. A mídia nacional e internacional precisa se convencer de que o aquecimento global produzirá uma catástrofe maior ainda do que a de uma 3ª Guerra Mundial. Delegar aos governantes todas as responsabilidades pelo destino do planeta é uma irresponsabilidade tão grande como foi há 70 anos minimizar os perigos do nazi-fascismo. A luta pela sustentabilidade deve ser pessoal, não é uma questão de foro íntimo, é um chamamento que a mídia até agora não conseguiu tornar premente e universal.