Jogando a toalha
As edições online dos jornais informavam, desde o final da tarde desta quinta-feira, que durante a curta gestão da ex-secretária Lina Vieira, a Receita Federal reduziu sua ação contra grandes empresas.
O Estado de S.Paulo parece ter jogado a toalha que vinha mobilizando a imprensa nas últimas semanas.
Ao publicar entrevista do líder do governo no Senado, Romero Jucá, desmentindo uma série de especulações que procuravam dar verossimilhança à denúncia de Lina Vieira de que havia sofrido pressões da ministra Dilma Rousseff para “agilizar” a fiscalização sobre o empresário Fernando Sarney, o jornal paulista parece estar tentando se redimir de uma enorme barrigada.
Para preservar algum respeito pela imprensa, convém considerar a controvérsia entre a ex-secretária e a ministra como um equívoco, porque a outra alternativa, a hipótese de que os principais jornais do País estão engajados numa campanha para desacreditar a provável candidata situacionista à Presidência da República, soa absurda demais, pelo risco que representa para a própria imprensa.
Algumas informações divulgadas por outros meios oferecem claros indícios de que a versão apresentada com insistência pelos jornais não sobreviveria à mais simples investigação.
Uma dessas informações circula pela internet, com origem no portal Terra, que entrevistou o ex-secretário da Receita Everardo Maciel, que por haver ocupado o cargo durante todos os dois períodos do governo Fernando Henrique Cardoso, não pode ser visto como figura suspeita de tentar favorecer a ministra petista. Maciel afirma que toda essa história, bem como a acusação de irregularidades com que a oposição tenta alimentar a CPI da Petrobras, não passam de factóides sem fundamento.
Ao apostar numa história inconsistente que pode ser desmentida cabalmente a qualquer momento, os principais meios da imprensa brasileira colocam sua reputação na linha de tiro.
O atentado sutil
Alberto Dines:
– O Brasil está menos democrático desde quarta-feira. Ninguém notou, ninguém foi para a rua protestar. Alguns jornais registraram e mesmo assim sem comentários. O problema reside justamente nesta forma, digamos “homeopática”, de diminuir os direitos e encurtar as liberdades fingindo que nada aconteceu. Quando a democracia é atingida de forma abrupta, forte, ostensiva, é possível esperar reações, resistência e até recuos do arbítrio. Mas os cortes nos direitos efetuados de forma sutil, disfarçada, são os mais perigosos porque acostumam a sociedade a dispensar a plenitude democrática. O atentado à democracia, à isonomia e ao Estado de direito ocorreu no plenário da Câmara Federal na quarta à noite quando foi aprovada — sob os veementes protestos do PSOL e do PPS — a Concordata do Estado brasileiro com o Vaticano conferindo à religião católica uma situação privilegiada. Quarta à noite, desapareceu o pouco que restava do estado laico: a República Brasileira deixou de ser secular. A República brasileira tornou-se menos republicana. A complacência mais grave e ainda mais perigosa manifestou-se na omissão dos parlamentares ligados às diferentes confissões não-católicas, sobretudo luteranas. Não reagiram diante da flagrante injustiça porque o governo prometeu-lhes compensações. Que tipo de compensação? Como não existe um estado luterano semelhante à Santa Sé está excluída a hipótese de outra Concordata. A aspiração maior dos evangélicos é não perder o espaço que conquistaram na última década tanto na esfera política como midiática: em outras palavras – as concessões de canais de radiodifusão no Brasil continuarão sendo negociadas em troca de vantagens políticas. O combate entre a Rede Globo e a Rede Record é fictício, ficcional. A Rede Globo não veicula programas religiosos. A Record, sim. Uma inconstitucionalidade será compensada por outra e nada impede que em segredo seja produzida uma terceira. O fim do estado laico decidido na Câmara dos Deputados não representa apenas uma regressão em matéria espiritual. Somada à calamitosa situação moral do Senado enfia o país no perigoso caminho da prepotência.