Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>Jornalismo declaratório
>>Marina entra no jogo

Jornalismo declaratório


Os jornais desta sexta-feira ainda fazem o rescaldo da crise do Senado, que pode deixar sequelas no Partido dos Trabalhadores mas não apresenta sinais de haver abalado a aliança que sustenta as propostas governistas.


O costumeiro desfile de declarações segue ocupando o lugar do melhor jornalismo, que sempre se baseia na prática da boa e fiel reportagem.


O problema principal do jornalismo declaratório é que o material oferecido aos leitores resulta sempre de um critério centralizado de escolhas, induzindo-os a acreditar que se trata de um resumo das opiniões dos entrevistados, quando na verdade se trata de composições fortemente influenciadas pelas intenções de quem edita.


Diferentemente de uma entrevista do tipo pergunta e resposta, na qual o entrevistado tem a oportunidade de expor seus pontos de vista e o entrevistador o estimula a aprofundar-se evidenciando suas contradições, nas declarações colhidas a esmo o declarante fala profusamente, sem ser interrompido, e depois o editor faz a seleção do que entende mais adequado.


O problema é que nem sempre o declarante reconhece no que foi publicado a inteireza daquilo que declarou.


Mas quase nunca se queixa, pois nenhum deles quer perder seu espaço no noticiário.


O material jornalístico por excelência é a reportagem, que consiste na coleta de dados, descrição e narração, sempre procurando explicitar o contexto em que tais fatos ocorrem.


As declarações inseridas em reportagens sempre devem se referir aos fatos relatados, o que dá às palavras do declarante um valor informativo, maior do que o da sua própria opinião.


É por essa razão que os repórteres são orientados a qualificar cada entrevistado, inclusive, quando conveniente, informando sua profissão e idade, para dar ao leitor um idéia da credibilidade que pode ter sua declaração.


Se o leitor atento é do tipo que guarda jornais velhos, um exercício interessante de observação consiste em reler manchetes publicadas nas últimas semanas, quando a imprensa cobriu muito intensamente a crise no Senado.


O leitor vai notar, por exemplo, que o senador Arthur Virgílio desapareceu do noticiário logo que se configurou a intenção de seus adversários políticos de julgá-lo no Conselho de Ética.


Será que Virgílio, que era o campeão das declarações, simplesmente entrou na muda ou os editores é que decidiram poupá-lo?


O leitor nunca vai saber. 


Marina entra no jogo


A senadora Marina Silva ganhou subitamente, como possível candidata à Presidência da República, uma exposição que a imprensa nunca lhe proporcionou nos cinco anos em que ocupou o Ministério do Meio Ambiente.


Ela é o tema da manchete do Globo nesta sexta-feira.


Mas não por conta de um plano de governo ou de uma entrevista na qual eventualmente explica por que considera importante disputar a sucessão do presidente Lula da Silva.


Marina é capa do Globo porque declarou – ou teria declarado – que o atual governo é insensível à causas sociais.


Como em todos os casos de jornalismo declaratório, seria arriscado analisar uma frase descatada sem conhecer o contexto em que foi proferida, mas pode-se arquivar o texto na pasta da campanha eleitoral de 2010.


Como se sabe, declarações de campanha eleitoral têm valor muito relativo: elas valem apenas no contexto da campanha.


Observe-se, por exemplo, as coleções de frases que os jornais resgatam anos depois que foram ditas, em contextos políticos muito diferentes, para tentar convencer o leitor de que tal ou qual declarante não tem coerência.


Embalada na oportunidade de ocupar espaço na imprensa por conta de sua saída do Partido dos Trabalhadores, Marina Silva trata de aproveitar a oportunidade.


Mas deve saber que suas frases serão pinçadas daqui a um tempo e expostas aleatoriamente, ao sabor das intenções dos editores.


Essa é uma das grandes armadilhas nas relações de personalidades com a imprensa, e muito especialmente no caso dos protagonistas da cena política.


Uma frase dita hoje para justificar um rompimento pode ser usada daqui a alguns meses para criticar uma aliança.


Se Marina Silva quer conduzir uma campanha diferente do que temos visto por aqui, precisa começar a selecionar muito bem o que vai dizer na frente de jornalistas ou de interlocutores com acesso à imprensa.


O jogo em que ela está entrando admite caneladas e os árbitros são ao mesmo tempo chefes de torcida organizada.