Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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Jornalismo fantástico


Os principais jornais brasileiros entram na onda de espetacularizar a notícia e anunciam que o ser humano acaba de criar a vida.


O Globo é o mais enfático: “Criada vida artificial”, diz a manchete do jornal carioca.


A Folha de S.Paulo vai na mesma linha e apregoa: “Ciência cria primeira célula sintética”.


O Estado de S.Paulo, mais comedido, informa que “Cientistas anunciam ter criado forma ‘sintética’ de vida”.


No interior dos jornais, logo após os textos explicativos fornecidos por agências internacionais a partir de artigo publicado na revista Science, alguns especialistas reduzem o impacto das manchetes.


A rigor, segundo especialistas citados pelos jornais, os cientistas financiados pela empresa americana Synthetic Genomics não criaram vida a partir do nada.


O que eles fizeram foi mapear rigorosamente o DNA de uma bactéria, guardar essas informações em um computador e depois introduzi-las em uma célula de uma bactéria de outra espécie “esvaziada” de material genético.


Reativada com as informações armazenadas no computador, a bactéria que estava inativa voltou à vida e suas células se reproduziram, replicando as características impressas pelos pesquisadores.


Trata-se, segundo alguns especialistas citados pelos jornais, de uma espetacular façanha técnica, mas não de uma revolução científica, como fazem crer as manchetes.


O líder da equipe de pesquisadores é o geneticista americano James Craig Venter, um dos autores do projeto Genoma e também dono da empresa que irá se beneficiar da patente gerada pelo projeto, o que pode contaminar sua avaliação científica.


Mesmo com sua enorme importância para o conhecimento humano, a proeza dos cientistas da Synthetic Genomics ainda não significa, como dão a entender os jornais, a criação sintética de vida, o que remete a certo vício da imprensa.


Seja em relação à ciência, à economia ou à política, os jornais seguem mapeando a história a partir de fatos espetaculosos, como se coubesse à imprensa determinar onde devam se situar os grandes eventos da humanidade.


Talvez seja mesmo mais fácil criar vida sintética nas páginas do jornal do que encontrar vida inteligente no mundo real. 


Cobertura burocrática


Alberto Dines:


– A questão nuclear do Irã é assunto internacional ou nacional? É verdade que uma bomba nuclear iraniana não ameaçaria o Brasil mas também é verdade que há 68 anos, quando o Brasil rompeu relações com os países do  Eixo (Alemanha, Itália e Japão), não estávamos diretamente ameaçados. E, no entanto, fomos à Europa para lutar contra o nazi-fascismo, aliás, os únicos latino-americanos a fazê-lo.


Pouco importa se a nossa diplomacia desta vez soube usar as táticas apropriadas para abortar uma radicalização no Oriente Médio, o que importa é que o Brasil percebeu que o Irã com a bomba gera maiores perigos para a paz mundial do que a bomba indiana, norte-coreana ou mesmo paquistanesa.


Se em 1994, o atual regime iraniano não teve escrúpulos em atuar no centro de Buenos Aires, provocando a morte de 85 pessoas e ferimentos em mais de 200 – todos judeus – é fácil imaginar o que poderá fazer quando tiver acesso à tecnologia nuclear para varrer Israel do mapa conforme promete.


Nossa mídia cobriu a jogada diplomática brasileira em Teerã de forma displicente, linear, pouco sutil, como faz com uma partida de futebol onde só os gols interessam. Por isso nossos especialistas em política mundial não conseguiram lembrar-se de que a presença brasileira nos grandes fóruns internacionais começou justamente quando acabou a 2ª Guerra Mundial. O brasileiro Oswaldo Aranha foi escolhido para presidir a ONU em 1947 justamente em função da sua atuação em 1941 e 42 levando o país a afastar-se do Eixo e aderir à causa democrática. Não há dúvidas de que o governo tiraria um grande proveito político se fosse bem sucedido em Teerã mas isso não é proibido. O que causa espanto é a constatação de que nossa imprensa abriu mão da sofisticação e se satisfaz plenamente com o lugar-comum.