Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Jornalistas não garimparam nada
>>Rascunho da história faz história

Mundo árabe, esse desconhecido

A cada nova irrupção de antagonismo aos ditadores no Norte da África e no Oriente Médio, o leitor ou telespectador brasileiro toma uma surpresa. É o reflexo da surpresa das redações. Apesar da forte presença de árabes e seus descentes no país. E apesar de o governo Lula ter praticado toda uma política de aproximação com os governos locais, ou talvez por isso mesmo: o jornalismo declaratório, oficialista, ocupa o espaço do jornalismo investigativo e analítico.


Jornalistas não garimparam nada

Em artigo no Estado de S. Paulo de sexta-feira (18), Fernando Gabeira escreveu que “três das quatro mais importantes quadrilhas da polícia do Rio participaram da tomada do Alemão. A pilhagem dos bens de traficantes e dos moradores foi tão espetacular que um dos policiais bandidos, grampeado pela Polícia Federal, comparou o Complexo do Alemão a Serra Pelada, onde milhares de garimpeiros cavavam o solo em busca de uma pepita de ouro”.

A imprensa que cobriu a “operação”, em novembro, não viu nada disso. A imprensa não noticiou as mortes ocorridas. Não se sabe até hoje o número de mortes, muito menos, é claro, os nomes dos mortos.

No entanto, já em 21 de dezembro a ONG Justiça Global denunciava em manifesto a “garimpagem” que estava sendo realizada no local. As autoridades fingiram não ouvir. Mas isso não surpreende. As autoridades convivem há muito com a rede criminosa em que se transformaram as polícias do Rio de Janeiro. Sabem de tudo.

Surpreende que a mídia no Rio não tenha querido ouvir as vozes que denunciavam a rapina do “espólio de guerra”, depois replicada no Morro de São Carlos. E o pior é que as armas apreendidas nessas operações bélicas são revendidas por policiais civis e militares para grupos criminosos de outras favelas.


Folha, 90 anos
Rascunho da história faz história

Alberto Dines:

– A Folha de S. Paulo completou 90 anos no sábado e ofereceu um magnífico presente à sociedade brasileira: a disponibilização integral do seu conteúdo desde 20 de Fevereiro de 1921. São 1.8 milhão de páginas totalmente indexadas permitindo buscas e cruzamentos por assunto, data, nome, localização, etc. Mesmo que a atração deixe de ser universal passando a ser restrita aos assinantes, o “rascunho da história” (como o próprio jornal o designa), é um serviço inédito no segmento dos diários. O semanário Veja já o oferece gratuitamente a qualquer cidadão há dois anos. A grande mídia brasileira parece assim disposta a reencontrar a sua vocação como agente do interesse público. Por alguns instantes está abandonando a obsessão quase suicida pelo “modelo de negócio” para investir  (no caso, cerca de três milhões de reais) no reforço da sua imagem como instituição de referência e transparência. O país agradece. Dilma Roussef também agradece já que o jornal foi a um beija-mão na semana passada em Brasília para selar a publicação de um artigo assinado pela presidente em homenagem à efeméride. Algo não funcionou ou funcionou ao revés: a presidente evitou qualquer alusão ao jornal-aniversariante num texto de 13 parágrafos (“País do conhecimento, potência ambiental”, domingo, 20/2, pg. 3).  Menciona aleatoriamente o período de “90 anos”,  o que para o leitor desatento nada significa e para os atentos significa muito – equivale a um puxão de orelhas público. A Folha vingou-se de forma desabrida: publicou o texto da presidente recém empossada sem qualquer destaque. Coisas da Folha: o jornal chega à marca centenária e comporta-se como a eterna criança.

Agora com o conteúdo integral disponibilizado na Internet as traquinagens e cosméticas das últimas décadas correm o risco de serem escancaradas na hora. O rascunho  da sua própria história bosquejado na edição de sábado (“90 anos em nove atos”, Especial, p.10) é desastroso.

Ao justificar a entrega da redação daFolha da Tarde em 1969 a “jornalistas entusiasmados com a linha dura militar (vários eram policiais)”, o texto afirma que se tratou de represália da empresa “à atuação clandestina na redação de militantes da ALN de Carlos Marighela um dos terroristas mais procurados do país.”

Horror! No dia dos seus noventa anos de gloriosos serviços prestados ao país a empresa admite solenemente que na redação de um de seus jornais e com o conhecimento da sua direção desenrolou-se um capítulo da “guerra suja”.

O recém lançado site www.acervo.folha.com.br já tem candidatos a campeões de acessos.