Lama no ventilador
A imprensa não deu folga ao Congresso Nacional durante o final de semana.
O estopim que reacendeu o fogo das críticas aos abusos de parlamentares foi a entrevista do ex-diretor do Senado José Carlos Zoghbi e sua mulher, Denise, à revista Época.
Pressionado após a descoberta de que usava o nome de sua ex-babá, uma mulher simples de 83 anos, para dissimular o controle de cinco empresas que terceirizavam serviços financeiros no Senado, Zoghbi resolveu jogar lama no ventilador.
A entrevista do casal, quase um bate-boca com o repórter, indica a existência de uma máfia que era coordenada pelo ex-diretor geral Agaciel Maia e tinha senadores como beneficiários.
Pelo que afirma Zoghbi, nomes lustrosos do Congresso levam vantagens em negócios obscuros e uma ampla rede de influências se espalha sob a coordenação de funcionários de confiança.
Coincidentemente, esses coordenadores são alguns dos titulares das diretorias exóticas que transformaram o Parlamento numa festa de cargos comissionados.
Os jornais deram seguimento a investigações a partir das denúncias do ex-diretor e levantam a tese de que parte do dinheiro obtido em contratos suspeitos foi parar no caixa de campanha eleitoral de alguns parlamentares.
Curiosamente, aqueles deputados e senadores que adoram aparecer na imprensa distribuindo acusações desapareceram no final de semana.
Ninguém ainda se atreveu a propor a criação de uma CPI para investigar o generoso sistema de terceirização de serviços no Congresso.
No meio do noticiário, destaque para a entrevista curiosa do deputado Fernando Gabeira à mesma revista Época.
Apanhado entre os parlamentares que usavam e abusavam da distribuição de passagens aéras a parentes e amigos, Gabeira declara que abre mão de ser a reserva moral do Congresso.
Mas nem a revista nem o deputado esclarecem desde quando e por que razão Fernando Gabeira deveria ser considerado uma reserva moral.
É mais uma dessas idéias que alguém inventa, a imprensa reproduz e acaba virando verdade, até que alguém resolve perguntar: “por quê?”
Reação tardia
Alberto Dines:
– A grande imprensa comportou-se ambiguamente no episódio da decisão do STF sobre a Lei de Imprensa. Não é a primeira vez. Antes da votação da última quinta-feira, os jornalões mantiveram-se silenciosos, sabiam que a extinção pura e simples do estatuto criaria um vácuo legal, sabiam também que em alguns aspectos a Lei de Imprensa era menos drástica do que o Código Penal através do qual doravante serão examinadas todas as ações.
Apesar dos inconvenientes da revogação total, apostaram nela por uma questão simbólica: a imprensa não admite ser regulada. Mesmo quando algum tipo de regulação faz-se indispensável.
Consumada a extinção, diante de uma nova realidade que pode mostrar-se até mais adversa, os jornalões afinal saíram da sombra no fim de semana para fazer reparos e cumprir com a sua obrigação de esclarecer os leitores.
Com isso revelaram que não são dignos de fé: primeiro cuidaram dos seus interesses como corporação e só depois se lembraram dos seus deveres como instrumentos do interesse público. Não tiveram a coragem de propor apenas a extinção dos artigos de caráter discricionário, deixando os demais para uma segunda etapa.
Ficou evidente que a remoção integral do tal “entulho autoritário”, ao contrário do que possa parecer, foi uma jogada se não autoritária, pelo menos suspeita e com uma dose de irresponsabilidade.
Com outro nome, o remanescente da Lei de Imprensa teria permanecido até que a Câmara de Deputados se lembrasse de um anteprojeto completo, longamente estudado por todas as partes, de autoria do então deputado Vilmar Rocha, do então PFL de Goiás. O editorial da Folha de S. Paulo (‘Direito à informação’, para assinantes), no domingo (3/5), foi inócuo: deveria ter sido publicado na quinta-feira.
A imprensa, sobretudo a grande imprensa, saiu-se muito mal deste episódio; também o deputado Miro Teixeira, que protocolou o pedido de revogação em nome do seu partido, o PDT. Na qualidade de ex-jornalista e advogado deveria conhecer as nuances que a revogação integral acarretaria.
Os reparos contidos nos votos dos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Melo e Ellen Gracie são óbvios. Na antevéspera da votação, na edição televisiva deste Observatório da Imprensa, o jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr. já havia alertado para os perigos de uma decisão emocional e simbólica. Nenhum dos magistrados, porém, teve a ousadia de colocar o dedo na ferida como o fez o ministro Joaquim Barbosa ao afirmar com todas as letras que a concentração dos meios de comunicação em poucas empresas é uma situação tão constrangedora quanto a manutenção de parte da Lei de Imprensa.
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