Licença para desmatar
Enquanto a imprensa divide seus olhos e ouvidos entre Copenhague e as cidades brasileiras castigadas pelas chuvas, a Câmara dos Deputados faz sua parte, ou seja, cuida de seus interesses em detrimento dos interesses da sociedade.
Com uma eficiência que ainda não demonstraram quando se trata da reforma política ou outros temas fundamentais, os parlamentares aprovaram o projeto de lei complementar no. 12, de 2003.
O artigo 17 de tal projeto redistribui competências nas áreas federal, estadual e municipal para licenciar, fiscalizar e punir infrações contra o meio ambiente.
De quebra, um outro artigo esvazia o Ibama e deixa sem função o Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama, ao criar uma comissão tripartite na qual o conselho teria apenas uma das cadeiras.
A decisão ainda precisa ser votada em segunda instância e depois passar pelo Senado, podendo ainda ser vetada pelo presidente da República.
Mas a facilidade com que foi aprovada em primeira votação na Câmara dos Deputados revela que o governo pode ter um discurso muito comprometido em Copenhague, mas sua base parlamentar atua na verdade contra os interesses de preservação do patrimônio ambiental.
Todos os ambientalistas ouvidos pelos jornais, além do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e da ex-ministra Marina Silva, concordam em que a transferência da competência de proteger a floresta para os governos estaduais e municipais equivale a uma autorização para destruir a Amazônia em pouco tempo.
O mesmo no que se refere à Mata Atlântica e ao Cerrado.
O Estado de Santa Catarina já se havia antecipado e aprovado uma lei – que está sendo contestada na Justiça – criando a competência estadual para legislar sobre a questão ambiental.
Não por acaso, é um dos Estados campeões de destruição da Mata Atlântica.
Trata-se de um atentado contra o futuro do Brasil e um acinte contra a população brasileira.
O Globo coloca o assunto em destaque na primeira página, os jornais paulistas ignoraram o tema nesta sexta-feira.
Ainda não perceberam o tamanho do escândalo ou concordam com a proposta?
Omissão perigosa
Alberto Dines:
– Quando se afirma que esta é a Era da Comunicação, colocamos a Comunicação como prioridade na agenda de debates. Acontece que raramente a mídia e a imprensa estão na pauta da mídia e da imprensa, contradição difícil de ser explicada e mantida por mais tempo.
Neste sentido, a própria realização da 1ª Conferência de Comunicação, a Confecom, constitui um salutar avanço. E algumas das propostas aprovadas ontem pelo plenário, se implementadas, poderão corrigir graves disfunções do nosso sistema midiático.
Uma delas é a restrição a concessão de canais de rádio e televisão a parlamentares e governadores. Outra proposta que poderá corrigir e contornar o lamentável erro do STF ao extinguir a obrigatoriedade do diploma é a criação do Conselho Nacional de Jornalistas, uma espécie de Ordem dos Jornalistas. Certamente aparecerão outras quando for publicado relato final e formal do evento.
Mas a Confecom equivocou-se ao ignorar de forma ostensiva a censura imposta ao Estado de S. Paulo pelo Tribunal de Justiça de Brasília há 140 dias. Nenhum protesto, moção ou proposta para evitar que o país se transforme numa ditadura judicial.
Foi um grave erro político combinado com uma distorcida visão profissional abdicar da luta contra a censura e entregar o seu bastão aos empresários de comunicação. Trata-se de uma forma arrevesada de reviver a luta de classes.
A censura judicial que ora se implanta no país prejudica mais aos jornalistas do que aos empresários. Veja-se o caso da decisão divulgada ontem a respeito da condenação imposta à Folha de S. Paulo e a seu repórter investigativo Frederico Vasconcelos, que denunciou numa extensa série de reportagens supostas irregularidades cometidas pelo juiz Ali Mazloum. O jornal terá que pagar um milhão e duzentos mil reais como indenização por ofensas morais mas o repórter foi enquadrado, intimidado, cerceado no seu direito e no seu dever de informar a sociedade.
O fato da censura imposta ao Estadão beneficiar os negócios da família Sarney, principal aliado do governo, não deveria comprometer ou mitigar o engajamento dos profissionais na luta pela liberdade de expressão. A resistência à censura togada é uma causa que deve reunir com igual empenho todos os segmentos da atividade jornalística. Ignorar o novo modelo de mordaça é uma forma de partidarizar as lutas pelo Estado de Direito. Se a defesa da democracia não consegue mobilizar todas as tendências políticas do país, algo está errado com elas.