Bisbilhotando a vida alheia
Os principais jornais dão destaque hoje à notícia da prisão de uma quadrilha que se especializou em falsificar autorizações judiciais para produzir a quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico de empresários e personalidades.
Pelo menos um político, o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, José Aníbal, está entre as vítimas.
A quadrilha era chefiada pelos donos de duas agências de detetives particulares e envolvia funcionários de bancos e de empresas de telefonia, além de cinco policiais civis e um coronel da reserva da Polícia Militar.
O grupo produzia mandados falsos para a quebra do sigilo e os encaminhava a empresas de telefonia.
No caso dos bancos, simplesmente pagavam propinas a funcionários, que lhes entregavam extratos bancários das pessoas espionadas.
Na maior parte dos casos, segundo os jornais, o contratante estava interessado em espionagem industrial ou tratava-se da clássica e anedótica suspeita de infidelidade conjugal.
De qualquer forma, mesmo tratando-se de crime comum e corriqueiro, o fato interessou aos integrantes da CPI do Grampo, que há meses vêm tentando dar consistência à tese de que vivemos em um estado policialesco, todos vigiados ininterruptamente como no romance ‘1984’, do britânico George Orwell.
Os parlamentares não andam longe da verdade.
De fato, é fácil constatar que os cidadãos brasileiros estão sujeitos constantemente à perda da privacidade.
Só na Folha de S.Paulo, edição desta quinta-feira, há seis anúncios de agências de detetives que prometem desvelar tudo que seus clientes desejem conhecer.
Além disso, uma notícia na coluna de negócios da mesma Folha informa que uma empresa de informática está apostando alto num programa de computador que vasculha a privacidade de candidatos a empregos domésticos, revelando dados judiciais, trabalhistas, financeiros e criminais, além de produzir uma avaliação psicológica e de saúde.
Algumas dessas informações são públicas, outras são protegidas pela constituição.
Grandes empresas costumam bisbilhotar a vida de candidatos a cargos de confiança com o uso de artifícios tão ilegais e inconstitucionais como os que são relatados hoje pela imprensa.
A quadrilha apanhada pela polícia é apenas um bando de amadores.
Longe da crise
Parte dos jornais de hoje cuida dos esforços de dirigentes de todo o mundo, além de empresas e pessoas, no sentido de combater os efeitos da crise financeira internacional.
Mas no noticiário político parece que tudo vai bem, obrigado.
É destaque nos principais jornais brasileiros a constatação, feita pelo Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, de que os governos dos Estados andam longe de fazer economia com o dinheiro público.
As despesas de custeio da máquina administrativa cresceram nos últimos dez anos, de 1,1% do Produto Interno Bruto para 6,09%.
Essas despesas referem-se aos custos para tocar o dia a dia das administrações estaduais, como combustíveis, material de escritório, locação de mão de obra e serviços terceirizados.
O trabalho analisa a situação financeira das administrações estaduais uma década depois do processo de renegociação das dívidas, promovida pelo governo Fernando Henrique em 1998.
As melhores histórias de recuperação e saneamento financeiro foram registradas nos Estados do Nordeste.
Em alguns Estados, como o Rio Grande do Sul, a situação é igual ou pior do que há dez anos.
Ao lado do aumento das despesas proporcionalmente ao PIB, registra-se uma média muito baixa de investimentos públicos em todo o Brasil.
Em geral, a relação média de investimentos por Estado é bastante inferior ao padrão de outros países emergentes, alguns mais pobres que o Brasil, segundo relatam os jornais.
Outra notícia destacada nas editorias de política é o fato de que a Mesa da Câmara dos Deputados se reuniu ontem para acabar com os ressarcimentos de despesas médicas, que alcançaram em 2008 o total de 3 milhões de reais, e acabaram criando novas despesas.
Além de não aprovar o fim do benefício, os integrantes da Mesa Diretora da Câmara decidiram ampliar para 12 mil funcionários com cargos de indicação política o plano de saúde que antes era oferecido apenas aos concursados e aos deputados e seus familiares.
Em vez de corte, aumento nas despesas.
Como se vê, pelo menos no Congresso Nacional, a crise financeira que assombra o mundo é menos do que uma marolinha.