Mexeu com um, mexeu com todos
Empenhada em uma concorrência feroz, são poucas as ocasiões em que a imprensa age com unanimidade.
E, como costuma se mover estimulada pelo forte espírito corporativo, nem sempre essas ocasiões representam o melhor dos interesses de seu cliente, o público.
Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2004, quando a Federação Nacional dos Jornalistas conseguiu o encaminhamento ao Congresso do projeto para criação do Conselho Federal de Jornalismo.
A grita da imprensa contra a proposta foi tão intensa, unânime e sem reflexão que até hoje a idéia continua engavetada sem que a sociedade tivesse tido a chance de se aproximar dela.
Desta vez, porém, os jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão estão defendendo mais do que seus próprios interesses como empresas.
A imprensa se manifesta em unanimidade, hoje, contra a decisão de um juiz auxiliar da 1a. Zona Eleitoral de São Paulo, que condenou a Folha de S.Paulo e a revista Veja São Paulo, por causa de entrevistas com a ex-ministra Marta Suplicy.
O juiz considerou que essas entrevistas caracterizaram propaganda eleitoral antecipada, uma vez que a ex-ministra do Turismo e ex-prefeita é a provável canditada do PT à prefeitura de São Paulo, mas ainda não teve sua candidatura homologada.
A decisão judicial, que ainda pode ser reformada, provocou protestos de especialistas e foi criticada até mesmo pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Ayres Britto.
A Associação Nacional de Jornais emitiu nota observando que a multa representa uma clara violação ao direito constitucional da liberdade de expressão e um grande número de advogados e instituições se juntou ao protesto.
Segundo o noticiário de hoje, não há outra hipótese: o juiz confundiu entrevista com propaganda paga, atropelou a Constituição e praticou um ato de censura à imprensa.
A declaração mais dura foi a do ex-ministro da Justiça Saulo Ramos. Segundo o Globo, ele afirmou que os juízes eleitorais são pouco letrados: ‘É falta de estudo. Eles assistem muita televisão e lêem poucos livros’, declarou o ex-ministro.
Pode ser. Mas a imprensa deve estar atenta neste ano de eleições municipais: a promotora da Justiça Eleitoral Maria Amélia Nardy já avisou que as representações contra a Veja São Paulo e a Folha não serão as únicas.
Ela garantiu que também vai pedir punição por entrevistas do prefeito Gilberto Kassab, do ex-governador Geraldo Alkminn e da vereadora Sônia Francine, também postulantes a uma candidatura.
A imprensa precisa ficar alerta contra o que considerar atentados à liberdade de expressão.
Mas também não deve esquecer das outras funções da Justiça Eleitoral, principalmente depois que o TSE decidiu que candidatos com ficha suja só podem ser impugnadom se forem condenados em última instância.
O direito à informação é uma das bases da democracia, mas inclui o direito do eleitor de ser informado sobre tudo que se refere aos candidatos a cargos públicos.
E quem pode prestar esse serviço é a imprensa.
Quando a privacidade vem a público
A exposição da jornalista Fátima Bernardes em reportagem na Rede Globo mostra que é possível a celebridades – mesmo jornalistas – oferecerem experiências pessoais como contribuição para o debate público de temas que interessam a muita gente.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
‘É muito bom estar de volta.’ Com essas palavras, a jornalista Fátima Bernardes abriu o Jornal Nacional de segunda-feira passada (16/8), depois de duas semanas de ausência em razão de uma cirurgia no seio. Na véspera, entrevistada por Patrícia Poeta, seu retorno foi o gancho de uma matéria de 8 minutos no Fantástico. A entrevistadora informou aos telespectadores: ‘Eu conversei com a Fátima porque ela quer dividir com as brasileiras o que aprendeu nas últimas semanas’.
Conforme a matéria, em 20 de maio a jornalista detectou uma secreção provocada por dilatação de um duto mamário. Os exames que se seguiram e a cirurgia a que se submeteu confirmaram que o problema não evoluiu para um câncer. Felizmente.
Mas é notável esse tipo de exposição – ainda que voluntária – dos problemas pessoais de uma jornalista para, então, engatar uma matéria jornalística de evidente interesse público. Como fez o Jornal Nacional de segunda, na reportagem especial de abertura da edição, que em 3 minutos e 20 segundos abordou a má distribuição de mamógrafos no país e o pouco acesso da maioria das brasileiras aos tratamentos preventivos das doenças da mama. Fátima teve melhor sorte. Mas a matéria do Fantástico, ambientada nos jardins da casa da jornalista, com a doce cordialidade entre entrevistadora e entrevistada e a bela piscina ao fundo, deixou um gosto do mais puro jornalismo-de-celebridades. Nada comparável, é certo, aos inacreditáveis dez minutos dedicados pelo mesmo Jornal Nacional, em julho de 1998, ao nascimento de Sasha, a filha da apresentadora Xuxa. Menos mal.