Morto antes de depor
Há um cadáver sobre a mesa da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, mas a chamada grande imprensa não consegue enxergar.
O morto atendia pelo nome de Marcelo Cavalcante, foi assessor da governadora no tempo em que ela era deputada federal e era chefe da representação do Rio Grande do Sul em Brasília.
Apareceu boiando no Lago Paranoá e a versão oficial é de que teria se suicidado, atirando-se da ponte Juscelino Kubitschek.
A imprensa gaúcha de maior visibilidade aceitou sem qualquer reserva a tese do suicídio, embora o personagem merecesse uma atenção maior.
Marcelo Cavalcante era uma das testemunhas cruciais no processo resultante da chamada “Operação Rodin”, que investigou fraudes e um amplo esquema de arrecadação ilegal de fundos no Detran gaúcho.
Ele estava convocado para prestar depoimento ao Ministério Público Federal após o carnaval.
Seu cadáver foi encontrado no dia 17 de fevereiro, a terça-feira anterior ao carnaval.
O enterro foi realizado rapidamente. Talvez com pressa demais para as circunstâncias que envolveam sua morte.
O governo gaúcho e a imprensa local anunciaram em uníssono que Marcelo Cavalcante foi induzido ao suicídio por conta de perseguições políticas.
O discurso é tão canhestro que não escapa até ao observador mais distraído a tentativa de jogar o cadáver no colo dos deputados do PSOL, que tentam estimular os jornalistas a prestarem mais atenção ao que pode ser um grande escândalo na administração Yeda Crusius.
O caso guarda algumas semelhanças com o assassinato do ex-prefeito de Santo André, na região metropolitana de São Paulo, Celso Daniel.
Pouco antes de morrer, Cavalcante teria manifestado interesse em entrar para o programa de proteção de testemunhas do Ministério da Justiça.
Mas nem de longe merece da imprensa qualquer menção.
A não ser a Folha de S.Paulo, que dedicou alguma atenção ao acontecimento, o assunto parece incapaz de mexer com a curiosidade natural dos jornalistas.
Apenas alguns blogs acompanham o caso.
Ninguém foi checar a autópsia, ninguém se interessou em saber se as câmeras da Ponte Juscelino Kubitschek gravaram o suposto suicídio, ninguém tratou de reconstituir os últimos passos do morto.
Estranho. Muito estranho.
Cobertura preguiçosa
Os leitores percebem que a qualidade da cobertura jornalística piora durante os feriados prolongados.
Foi o que aconteceu outra vez no carnaval que passou.
O perigo é que o público pode chegar à conclusão de que dá para viver sem jornais e revistas informativas.
Alberto Dines:
– Quando os leitores descansam, os jornalistas também devem descansar ou é o contrário — exatamente nestes momentos de relaxamento é que os produtos da indústria jornalística devem ser melhores e irresistíveis?
A urn@ eletrônica do “Observatório da Imprensa” levanta a mesma questão: a mídia consegue manter algum padrão de qualidade nas coberturas durante os feriados prolongados?
Leitores, ouvintes e telespectadores não têm duvidas: 91% acham que durante os feriadões baixa muito a qualidade jornalística. Eles pagam o preço estipulado e, em troca, recebem produtos deficientes.
O consumidor de informações está sendo lesado. Esta é também a preocupação do Ouvidor da Folha de S. Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva, que ontem reclamou contra a supressão ou encolhimento de cadernos nos grandes fins-de-semana.
Reclamou também contra a cobertura preguiçosa da grande festa popular, contra o relaxamento e o desleixo de outras matérias. Convém lembrar que o mundo não para durante o Carnaval, nem os nossos problemas atenuam-se ou somem de repente.
Se a mídia jornalística frustra o seu público quando está mais disponível e carente, assume que não tem apetite ou capacidade em atendê-lo.
Mesmo que todos os veículos sejam igualmente ruins nos feriadões, algo precisa ser feito antes que o público descubra que pode sobreviver sem a mídia informativa.
Links para outras matérias publicadas pelo OI sobre o mesmo assunto.