Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Muita declaração e pouca ação
>>Mais uma chacina

Muita declaração e pouca ação

Os jornais dão destaque às medidas anunciadas pelo governo para combater a epidemia de bisbilhotices que, pelo visto, não encontra anticorpos nem nas mais altas instâncias da República.

O remédio da hora, segundo a imprensa, é o projeto de lei cuja minuta foi enviada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, ao presidente Lula.

Nela estão contidas as novas regras que tornam mais severas as punições para quem promover, patrocinar ou realizar a quebra da privacidade de comunicações de indivíduos ou instituições.

Também está publicado que o ministro da Defesa, Nélson Jobim, vai ao Congresso na semana que vem, apresentar seu depoimento à CPI do Grampo.

A CPI, que andava às moscas, ganhou vida nova com o escândalo provocado pela revelação de que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, teve conversas telefônicas gravadas, supostamente por funcionários da Agência Brasileira de Inteligência, Abin.

O noticiário oferece bastante espaço para declarações de grampeados, de chefes dos supostos grampeadores, de especialistas e especuladores de todo tipo.

Só não estão explicados dois detalhes importantes que ajudariam o leitor a entender o que se passa: se é possível identificar quem cometeu o crime, por que ainda não foi revelado seu nome?

Ou, por outro lado, se não é possível descobrir quem anda bisbilhotando conversas alheias, de que adiantará agravar as punições?

Outra questão que não anda freqüentando o noticiário é: como coibir a arapongagem fora dos círculos oficiais, ou seja, a escuta telefônica produzida por empresas privadas de segurança, muitas das quais controladas por ex-militares, que proliferaram no País e agem sem controle algum?

Como o leitor pode perceber, não adianta aumentar o tamanho do chicote se não se sabe que lombo vai merecer as chibatadas.

Aparentemente sem rumo, as autoridades se sucedem ao microfone para marcar sua presença, mas por enquanto o que temos é muita declaração e pouca solução.

Mais uma chacina

Alguns jornais, especialmente aqueles títulos chamados populares, que custam menos e são dirigidos à nova classe média, noticiam hoje mais uma chacina na região metropolitana de São Paulo.

Segundo a conta da imprensa, é a décima-quarta matança apenas neste ano.

A média é de quatro mortos em cada ação, embora haja casos de mais de uma dezena de assassinatos ao mesmo tempo e no mesmo lugar.

Em geral, os crimes acontecem em bares da periferia, em pontos de encontro de jovens que vivem nas favelas ou nas cercanias de escolas públicas.

A imprensa cumpre sua obrigação de noticiar esses fatos como quem registra dados estatísticos: 14 chacinas, à média de quatro mortos em cada evento, então temos 56 mortes violentas praticadas por grupos armados e organizados.

O que raramente aparece no noticiário é o contexto em que acontecem esses crimes.

Na maioria das vezes, trata-se de vingança, por conflitos que começam em pequenos desentendimentos e desaguam em tragédia.

Ou seja, a tragédia nasce da ausência do Estado na prevenção do agravamento desses pequenos conflitos.

Visto no conjunto, o pacote das catorze chacinas revela o abandono em que se encontram os moradores das periferias das grandes cidades.

O Globo tem prestado excelente serviço, ao publicar séries de reportagens sobre a ação de grupos criminosos que tomaram como reféns comunidades inteiras no Rio de Janeiro.

Mas a imprensa paulista segue fingindo que a cidade de São Paulo se limita pelos rios Tietê e Pinheiros, no triângulo que é chamado de ‘centro expandido’.

Fora dos bairros onde residem os leitores de jornais, é como se à ausência do Estado correspondesse também a ausência da imprensa.

Ali onde o crime domina a vida dos cidadãos e aparece como fator definidor da longevidade da população, as mortes da rotina já não são notícia.

A menos que a violência vaze para dentro daquilo que a imprensa chama de cidade, seguem todos, polícia e imprensa, cumprindo burocraticamente a tarefa de atualizar as estatísticas.

A polícia não investiga os crimes, a imprensa não faz perguntas impertinentes, e a violência vai vencendo a esperança.