Muito barulho, pouca informação
Os jornais e revistas entraram num jogo arriscado na última semana: eles parecem estar apostando tudo na possibilidade de reverter o quadro pintado nas pesquisas de intenção de voto, a partir do escândalo da invasão de dados sigilosos da Receita Federal que, entre mais de uma centena de vítimas, inclui personalidades ligadas ao PSDB e familiares do ex-governador José Serra.
No final de semana, esse era o tema predominante em toda a chamada imprensa de circulação nacional.
Mas não se percebe um esforço real pelo esclarecimento dos fatos.
As reportagens e declarações fazem muito barulho mas indicam mais empenho em provar uma tese preexistente do que em avançar na investigação.
Diante da confusão que se forma, a tendência é de que cada leitor continue com a opinião que já tinha antes, o que não vai produzir a “virada” esperada pela oposição e claramente desejada pela imprensa.
Assim, o cenário pintado nas pesquisas de intenção de voto se consolida em favor da continuidade no poder federal, enquanto a imagem das instituições públicas sofre com o escândalo.
O esforço da imprensa por demonstrar que os acessos ilegais a informações de contribuintes na Receita Federal fazem parte de intrigas de campanha eleitoral só oferece elementos para convicção de quem já está convencido.
A longa reportagem da revista Época, bem como parte do material dos jornais, ao observar que as primeiras invasões ocorreram em abril de 2009, quando a candidata governista ainda não havia sido lançada, insinuam que pelo menos parte dos acessos ilegais tinha relação com a disputa entre os ex-governadores Aécio Neves e José Serra pela candidatura da oposição.
Mas o trânsito desses dados até as mãos de militantes petistas engajados na campanha da candidata Dilma Rousseff acaba dando margem ao escândalo que a imprensa reverbera.
Ações de espionagem, dossiês e arquivos sujos fazem parte de todas as estratégias de campanha, e costumam começar bem antes das disputas eleitorais.
Todos os partidos mantêm esses volumes e os atualizam constantemente, usando quase sempre arquivos da imprensa, muitas vezes feitos sob encomenda.
O ataque aos dados da Receita, por afetar a credibilidade do órgão público, deveria ser desvinculado da briga eleitoral e tratado como o ato criminoso que representa.
Mas a imprensa que faz parte dessa rede de intrigas tem condições de investigar?
Observatório na TV
Alberto Dines:
– A independência do Brasil foi proclamada no dia 7 de Setembro há 188 anos às margens do Ipiranga, com um brado retumbante – certo ou errado? Errado. Erradíssimo. Quem garante? Os jornais da época, claro. Quando o Brasil separou-se de Portugal havia cinco jornais em circulação – o precursor da imprensa livre, Correio Braziliense, o chapa-branca Gazeta do Rio, o Revérbero Fluminense, a Idade do Ouro do Brasil da Bahia e O Espelho. Nenhum deles fala no épico episódio protagonizado por D. Pedro nas redondezas de S. Paulo às margens de um riacho.
Todos os cinco periódicos eram a favor da emancipação, estavam por dentro do assunto, reproduziram os documentos e a azeda troca de cartas entre o rei D. João VI e o seu filho, príncipe-regente em Agosto. Mas em matéria de datas os cinco estão mais preocupados com o 12 de Outubro – quando D. Pedro seria proclamado pelo povo e assim legitimado como Imperador do Brasil. O Sete de Setembro foi uma construção política posterior, bem posterior, e não um fato político. Para usar o jargão moderno: o 7 de Setembro foi um factóide, muito bem construído para facilitar a repercussão externa mas um factóide.
Então nossos professores de história estavam enganados ou nos enganaram? Não propriamente. O que aconteceu foi uma desatenção da historiografia brasileira pelo jornalismo brasileiro. E esta desatenção foi em parte causada pelos preconceitos contra os principais jornalistas da época, majoritariamente maçons. Quer mais detalhes? Assista amanhã, sete de setembro, o especial do “Observatório da Imprensa” sobre mídia e independência, na TV-Brasil, em rede nacional, às 10 da noite. Em S. Paulo, pelo Canal 4 da Net e 181 da TVA.
Este desencontro entre o fato e a construção do fato torna-se ainda mais significativo quando lembramos que há dois anos, em 2008, quando deveríamos lembrar os 200 anos da criação da imprensa brasileira, nossa mídia embargou a data e passou uma esponja em nosso passado. Agora, quando identificamos alguns desajustes entre os livros de História e as coleções de periódicos, evidencia-se o crime que a nossa imprensa cometeu contra a sua própria imagem.