Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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>>Fatos e números

Negligência no hospital

Os jornais informam hoje que o incêndio no Hospital das Clínicas de São Paulo, que deixou sem atendimento milhares de pacientes e pode ter sido a causa da morte de uma pessoa, era um risco previsto há pelo menos dois anos.

Em 2005, foram constatadas deficiências na rede de energia elétrica e no sistema de combate a incêndios do prédio dos ambulatórios, mas as obras não foram realizadas por problemas burocráticos.

Não faltou dinheiro: segundo os jornais, o governo aplicou apenas 17,8% da verba prevista para obras no Hospital das Clínicas em 2007.

Hoje, os jornais também reproduzem declaração do secretário da Saúde do Estado, Luiz Roberto Barradas, dizendo que os outros 82% serão usados até amanhã, mas as obras sõ vão começar no ano que vem.

O Hospital das Clínicas é uma autarquia, e por isso tem autonomia administrativa, mas em casos que envolvem a segurança da população o governo do Estado pode e deve intervir.

Com problemas graves à espera de solução, e com dinheiro em caixa, fica difícil para o leitor entender por que as obras não foram feitas.

O secretário não quis explicar, ou os jornalistas não lhe perguntaram, porque o dinheiro ficou retido, se obras de emergência já eram necessárias há tanto tempo.

A Folha de S.Paulo entrevistou o ex-diretor do Instituto Central do HC Waldemir Rezende. Ele deixou o cargo em fevereiro deste ano e chegou a publicar o livro intitulado Estação Clínicas, no qual descreve irregularidades ocorridas na instituição.

A cobertura do ambiente no hospital, dois dias a pós o incêndio, chega repleta de detalhes sobre os dramas dos pacientes.

Mas para o leitor atento, parece que os jornais não estão pegando firme como deviam nas responsabilidades das autoridades que deixaram a tragédia acontecer. Se havia dinheiro para as obras, se as obras eram urgentes, só uma palavra explica o incêncio ocorrido na noite de Natal: negligência.

O incêndio no Hospital das Clínicas não deve ser tratado pela imprensa como um mero acidente. As autoridades ainda devem explicações à sociedade.

Fatos e números

Como era previsto, o número de mortos nas estradas do Brasil durante o feriado de Natal foi muito elevado. O Estado de S.Paulo e o Globo dizem que foi o mais violento de todos os tempos. A Folha afirma que foi o feriado mais violento do ano.

A obsessão por estatísticas obscurece o bom jornalismo.

Dines:

– As manchetes dos três principais jornais do país, tanto na segunda-feira como na terça, ocuparam-se com estatísticas e percentuais, sem qualquer importância, diga-se. Em dias normais, valeriam no máximo, notícia de uma coluna, curiosidades. O jornalismo brasileiro já passou por diversas modas, a última é numerológica. Combina bem com a mitologia em torno das ciências exatas. Este jornalismo aparentemente inofensivo é o mais perigoso, porque acostuma o leitor a só acreditar em cifras, mesmo quando discutíveis. Qualquer factóide de procedência duvidosa transforma-se em fato indiscutível, desde que acompanhado por um dado estatístico, mesmo que em números relativos. Na Folha de S. Paulo de ontem, quarta-feira, o vício ficou magnificado com o dramático princípio de incêndio no Hospital das Clínicas de S. Paulo ocorrido na véspera do Natal. O jornal tinha engatilhada a manchete que havia percorrido todos os portais de noticias, rádiojornais e telejornais da terça – o número recorde de mortos nas estradas brasileiras – e deixou de destacar um fato novo, impressionante, com enormes repercussões nos próximos dias: o maior da cidade e do Estado, deixará de atender a milhares de pessoas. Ao contrário do Estadão, a Folha preferiu o fato velho, a insegurança das estradas, e registrou o fato novo que poderia ter resultado numa catástrofe sem precedentes com uma foto e um título menor na parte inferior. O mais irônico é que a foto do alto da primeira página, hierarquicamente a mais importante do dia, retratava a pífia festinha de Natal da falecida Daslu que só interessa ao restrito mundinho da grã-finada. Este deve ser o padrão da temporada de verão da imprensa brasileira: estatísticas e mundanidades, percentuais e abobrinhas.