Ninguém quer assinar
A hipótese de intervenção federal no governo de Brasília, discutida arduamente por jornalistas e comentaristas em programas de televisão ao longo da quarta-feira, dia 24, desapareceu das manchetes dos jornais nesta quinta.
Envolvida em muitas controvérsias jurídicas, essa solução parece uma batata quente: ninguém quer segurar.
O Executivo já deixou bastante claro que o atual governo não pretende passar para a História como aquele que usou um ato de força para resolver um caso de corrupção.
O Supremo Tribunal Federal, já bastante criticado em ocasiões anteriores, nas quais decidiu sobre temas das alçadas do Executivo e do Legislativo, também prefere não meter a mão na cumbuca.
O Legislativo, no caso a Câmara Distrital de Brasília, já se provou tão contaminado que não encontra ninguém na linha sucessória capaz de garantir a governabilidade.
Quase metade dos deputados distritais de Brasília são suspeitos de participar do chamado mensalão.
A prisão do governador licenciado José Roberto Arruda foi determinada no dia 11 de fevereiro.
De lá para cá, o grupo que ele coordenava tentou de tudo para manter-se no poder, mas seus bons companheiros foram caindo um a um.
Por último, renunciou o vice-governador Paulo Octávio, e o atual governador em exercício, o deputado Wilson Lima, é investigado como beneficiário do esquema que mandou para a cadeia o governador titular.
Os jornais reduzem a exposição do assunto justamente quando a questão está próxima de ter um desenlace.
Arruda pediu ao Judiciário um tempo extra para preparar a renúncia, e assim tentar preservar seus direitos políticos.
Quer convencer o STF de que, sem o mandato, não teria poderes para ameaçar ou subornar testemunhas.
A renúncia também o livraria da perda dos direitos políticos por oito anos, se vier a ter o impeachment aprovado pela Câmara Legislativa.
A imprensa precisa registrar o escândalo em todos os seus detalhes, como fez em outros casos semelhantes, porque o caso de Brasília pode ficar para a História como uma crônica exemplar da corrupção.
Limitações da linguagem jornalística
A sucessão de escândalos de variadas naturezas que vem abalando a credibilidade das instituições da República desde o período da redemocratização, há mais de vinte anos, revela também uma recorrente dificuldade da imprensa em contextualizar cada caso e exercer sobre o quadro geral dos mal-feitos algum critério de ponderação.
Nesse cenário, sobra também para os observadores da imprensa sua cota de mal-entendidos e interpretações ambíguas.
Quando se observa que a imprensa tem pesos e medidas variados e às vezes contraditórios para os muitos casos noticiados, deve-se levar em conta uma série de condicionantes, entre as quais o peso relativo de cada notícia, e o valor da cada módulo informativo disponível para ser selecionado em cada edição.
Segundo o professor da USP Vinícius Romanini e outros especialistas em mídia, a linguagem jornalística tradicional sofre de grave limitação: os módulos noticiosos, conforme adotados nos jornais e revistas, não conseguem abranger a complexidade dos temas tratados no nosso tempo.
Agregar artigos e comentários de especialistas nem sempre resolve o problema, pois a tendência dos editores é sempre apostar numa das versões, em detrimento da diversidade de interpretações alternativas.
As limitações do espaço, na mídia de papel, e de tempo, na televisão, apenas agravam essa carência.
No caso comentado nesta quarta-feira, dia 24, sobraram mal-entendidos.
A observação de que a imprensa deveria tratar de maneiras diferentes os diversos protagonistas de escândalos, separando meras suspeitas de casos em processo de julgamento ou com decisões preliminares da Justiça, é tipicamente o caso em que, ao analisar módulos noticiosos, o observador também corre o risco de abordar de maneira restrita os temas ali tratados.
Num ponto futuro, resta a expectativa de que, com a evolução da internet, tornem-se disponíveis novos recursos que permitam aos editores – em parceria com seus leitores – a coautoria de reportagens mais abrangentes, nas quais os pesos relativos de cada notícia possam estar explicitados num mesmo espaço.
Resta saber se os editores aceitarão abrir mão do poder de escolha das manchetes, atualmente usadas aleatória e abusivamente, transferindo ao leitor o direito de decidir por onde quer começar a ler sobre determinado assunto.