Greves e sustentabilidade
Notícias fora do contexto
Os jornais têm noticiado, nos últimos dias, tentativas de autoridades federais de restaurar a normalidade nos canteiros de obras do Plano de Aceleração do Crescimento afetadas por greves e revoltas de trabalhadores.
No caso do complexo industrial de Açu, empreendimento gigantesco do bilionário Eike Batista no norte do Estado do Rio, a paralisação foi vencida com um aumento de salários.
As exigências dos trabalhadores não tinham nada de excepcional: eles queriam equiparação salarial com seus colegas de outra obra do empresário, acerto retroativo de reajuste concedido em 2010 e que não havia sido inteiramente pago, adicional para atividades de risco e melhoria nas condições de trabalho.
Entre outras obras anunciadas como parte da recuperação da infraestrutura brasileira e que foram varridas por conflitos trabalhistas nas últimas semanas alinham-se ainda as da refinaria Abreu e Lima e da Petroquímica Suape, em Pernambuco, além da construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, ambas no Rio Madeira.
O noticiário informa sobre reivincações dos trabalhadores, que no geral não diferem daquelas que causaram problemas nos empreendimentos de Eike Batista.
No caso de algumas delas, revelou-se que atravessadores tinham sido admitidos no processo de contratação dos operários, e capatazes despreparados tornavam ainda mais dura a vida no canteiro de obras.
Os jornais têm sido ágeis e precisos nos relatos desses diferentes acontecimentos, mas, como sempre, o noticiário é fragmentado e não faz uma correlação entre os fatos específicos e o contexto em que eles acontecem.
A questão principal por trás desses conflitos continua sendo: o programa brasileiro de crescimento é sustentável?
Os editores deveriam começar a entender que os fatos sociais, políticos e econômicos são sempre interrelacionados, e que como pano de fundo deve ser observada a condição de sustentabilidade de cada iniciativa e sua relação com a estratégia geral do país.
O governo deve lançar neste mês o Plano Decenal de Energia.
A imprensa ainda não descobriu a relação entre essa pauta e os conflitos nos canteiros de obras.
Assim como não relaciona ao mesmo contexto a crise nuclear do Japão e o impasse no projeto das termoelétricas.
Sustentabilidade é o tema que deveria estar ligando todos esses assuntos.
Missão esquecida
Alberto Dines:
– A mídia internacional e também brasileira não estão interessadas em dramatizar a contaminação radioativa produzida pelo complexo nuclear de Fukushima. Deveriam: os dados que chegam são cada vez mais preocupantes. Preferem adotar a clave baixa da imprensa nipônica que não tem outra alternativa senão evitar o pânico, o desespero ou uma onda de suicídios.
O japão não está em condições de discutir agora o seu futuro modelo energético mas o resto do mundo, por enquanto livre de ameaças ou emergências, pode colocar o debate na agenda pública. Não se trata de embargar a construção de novas usinas nucleares, trata-se de examinar todas as alternativas e, sobretudo todas as combinações de fontes renováveis e não-renováveis. A matéria é complexa, exige da mídia uma capacidade didática que ela raramente exercita, tanto aqui como no primeiro mundo.
O setor de energia é geralmente coberto por jornalistas treinados para cobrir a área econômica mas o tipo de dilema que hoje se apresenta exige uma formação diferenciada. E isto nos conduz às estratégias de investimento das empresas de mídia: nada se economiza quando se trata de aquisição de novas tecnologias ou novas alternativas mercadológicas. Porém, pouco se gasta na qualificação dos quadros profissionais, confia-se mais na improvisação ou nas matérias oriundas das fontes internacionais.
O debate sobre o modelo energético e sustentabilidade foi imposto pelo terremoto e pelo tsunami, impossível deixá-lo na gaveta ou simplesmente entregá-lo aos especialistas. A imprensa precisa reencontrar-se com sua missão convocadora antes que seja tarde.