Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Novas notícias velhas sobre corrupção
>>Amazônia em questão

Novas notícias velhas sobre corrupção

A Polícia Federal prendeu dezesseis prefeitos por desvio de verbas.

Esse é o tema das manchetes das edições de hoje do Estado de S. Paulo
e da Folha de S.Paulo e destaque no Globo.

O esquema desmantelado pela polícia, segundo os jornais, era simples:
com o apoio de pelo menos um juiz e funcionários federais, um grupo de
advogados conseguia liberar verbas do Fundo de Participação dos
Municípios para cidades em débito com a Previdência Social.

Parte do dinheiro pago aos intermediários retornava para os bolsos dos
prefeitos e seus cúmplices.

Absolutamente nenhuma novidade na notícia.

Regularmente, a imprensa noticia operações da Polícia Federal e do
Ministério Público Federal contra prefeitos por todo o Brasil.

Em geral, esses casos envolvem grupos bem organizados que agem em
diferentes regiões, quase sempre com procedimentos muito semelhantes
que envolvem advogados, juizes, funcionários públicos.

Até o tipo de assessoria oferecida para desviar verbas públicas é
comum em todos esses casos.

Ou seja, trata-se de um crime absolutamente previsível, cujos sinais
são muito claros porque envolvem procedimentos repetitivos.
Então, por que a imprensa nacional nunca fez um balanço da corrupção
nos níveis municipais?

Certamente, é mais fácil reproduzir os casos cujos personagens ficam
em Brasília ou nas capitais dos Estados.

No entanto, a imprensa, assim como as autoridades, deveria dar mais
atenção às administrações municipais, que ganham importância por causa
do processo de descentralização da gestão pública.

Nas cidades, as evidências de enriquecimento ilícito de prefeitos e
vereadores são mais fáceis de detectar: todos estão vendo as mansões
que brotam do nada, os carros importados que surgem como que por magia
nas garagens.

Um dos acusados na operação divulgada hoje, o prefeito de Juiz de
Fora, em Minas Gerais, guardava em sua casa mais de um milhão de
reais. Em espécie.

Segundo a Polícia Federal, o golpe provocou um prejuízo de pelo menos
200 milhões de reais aos cofres públicos.

Nos próximos dias, é provável que os jornais ainda noticiem os nomes
dos demais envolvidos, mas em uma semana tudo terá ido para o
esquecimento.

Enquanto isso, as quadrilhas se organizam para eleger nos municípios
de maior renda os candidatos com vocação para entrar no esquema.

Neste ano teremos eleições municipais em todo o Brasil.

E voltaremos no ano que vem com as mesmas novidades.

Amazônia em questão

O Estadão descobriu que a susbstituição da floresta por soja ou
pastagem reduz as chuvas na Amazônia.

Esse é tema de uma ampla reportagem publicada hoje pelo tradicional
jornal paulista, na seqüência de uma série que faz parte de uma
investigação especial sobre a região amazônica.

Mais um pouco, e a imprensa brasileira ‘descobre’ que as chuvas
irregulares no Nordeste também podem ter alguma relação com o impacto
de atividades predatórias sobre amplas extensões da floresta.

Quem sabe, ainda ficaremos sabendo sobre um fenômeno que os cientistas
chamam de aquecimento global.

Curiosamente, observe o leitor as escolhas da imprensa brasileira no
debate entre o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e a
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sobre a necessidade de conter
a expansão agrícola na Amazônia.

Na edição de ontem, todos os jornais deram destaque às declarações de
Stephanes sobre supostos prejuízos causados aos pecuaristas pela falta
de clareza na definição dos conceitos de bioma amazônico e Amazônia
Legal.

Além disso, deram grande visibilidade a críticas de deputados ligados
à bancada ruralista, que reclamavam das ações da Polícia Federal e do
Ibama para conter o desmatamento.

Na edição de hoje, os jornais escondem num canto de página a resposta
da ministra Marina Silva, mesmo assim porque não podiam ignorar sua
presença em audiência pública na Câmara dos Deputados.

A Folha de S.Paulo fez pior.

Abriu a notícia requentando críticas de Reinhold Stephanes e dos
deputados que querem menos rigos na legislação sobre recuperação de
terras desmatadas e deixou a opinião da ministra do Meio Ambiente no
pé da matéria.

Um detalhe: o depoimento da ministra Marina Silva na audiência pública
durou quatro horas.

E não houve, recentemente, melhor oportunidade para o debate público
sobre a questão amazônica do que essa audiência.

Reportagens especiais sobre a Amazônia fazem bem à reputação da imprensa.

Mas é no dia-a-dia que se forma a opinião do público.