Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>O amigo do homem
>>A história em fragmentos

O amigo do homem

As duas revistas semanais de maior circulação tentam desvendar as trilhas do advogado Roberto Teixeira, amigo e compadre do presidente Lula, nas sendas do poder federal.

Veja
fez o arroz-com-feijão: a partir do depoimento da ex-diretora da Anac Denise Abreu, requentou as declarações feitas por ela ao Estado de S.Paulo há duas semanas, apresentando fac-símiles de documentos também já publicados, mas não avança na história.

A tese de Veja é de que o advogado se valeu da antiga amizade com o agora poderoso Lula para favorecer um cliente, a empresa aérea Gol, na disputa pelo espólio da Varig.

Época fez diferente: procurou o próprio Teixeira, acusado por Denise Abreu de haver feito tráfico de influência em favor da Gol, que comprou a Varig por um preço inferior ao que supostamente seria oferecido pela concorrente TAM.

A leitura das duas revistas deixa bem clara a diferença entre reproduzir declarações e ir direto à fonte, mas nenhuma delas ajuda a entender o negócio nebuloso que envolve o ocaso da outrora mais poderosa empresa aérea brasileira.

Sabe-se que a Varig foi adquirida por um grupo de investidores, entre os quais havia pelo menos um empresário com todos os sinais exteriores da personagem que no jargão dos negócios escusos é chamada de laranja.

Sabe-se também que Roberto Teixeira cobra honorários por supostamente ter conseguido livrar os compradores de uma dívida da Varig superior a 2 bilhões de reais.

Mas a própria denunciante, Denise Abreu, se nega a afirmar que tenha havido ingerência irregular, ou no nível da ilegalidade, do governo na disputa.

Também não se sabe se a TAM realmente estava interessada em comprar a Varig, ou apenas em atrapalhar os planos da concorrente Gol.

O que se discute, basicamente, é uma questão moral: o amigo do presidente pode ou deve atuar profissionalmente numa disputa comercial que pode ser decidida pelo governo?

Enquanto a imprensa discute essa questão, que em última instância pode se resumir ao controverso foro íntimo de um advogado, a situação da Varig se torna insustentável.

A disputa judicial que pode bloquear as operações da Varig deverá inibir novos investimentos na empresa e acelerar o sucateamento do seu patrimônio.

Milhares de pessoas ainda sofrem as conseqüências do desemprego e das dívidas trabalhistas da empresa.

E o setor aéreo nacional segue dominado pelo duopólio Gol-TAM, que define a qualidade dos serviços, os preços, a segurança e o conforto dos passageiros.

A história em fragmentos

A imprensa não parece interessada em destrinchar a estranha negociação pela qual os compradores pagaram apenas uma fração mínima do valor da Varig.

Obcecados pelas intrigas do caso, jornais e revistas deixam na obscuridade os aspectos que mais interessam ao leitor.

Alberto Dines:

– Dominada pelo conceito de segmentação, nossa imprensa não consegue agregar os diferentes aspectos de um mesmo assunto. Não se oferece ao leitor uma visão holística dos fatos, apenas lâminas parciais. Exemplo disso são as denúncias sobre as irregularidades na venda da Varig, que passam ao largo da ostensiva má-vontade do governo em intervir na empresa para evitar a sua falência. As denúncias da ex-diretora da ANAC Denise Abreu quase nunca mencionam o porquê da opção privatista num governo teoricamente comprometido com o fortalecimento do Estado.

Com a divulgação, neste fim de semana, do relatório da FAB sobre o despreparo dos controladores de vôo, abre-se nova frente noticiosa que obrigará fatalmente a grande imprensa  a encarar a possibilidade de novos apagões aéreos e, sobretudo, encarar a insuficiência do duopólio TAM-Gol no atendimento satisfatório das demandas do mercado. Breve, deverão ser divulgados os relatórios sobre as causas das duas maiores tragédias da aviação comercial, uma ocorrida há quase um ano com um Boeing da Gol e outra há quase dois com um Airbus da TAM. O relatório da FAB pode ser uma espécie de trailer das conclusões.
Uma coisa é certa: governo e imprensa estão tratando o caso Varig de forma minimalista,  fragmentada e enviesada. O problema é de grandes dimensões, desdobrável e, principalmente, com implicações na vida de todos os cidadãos e não apenas dos políticos que adoram escândalos. A segurança no ar e o bom atendimento em terra interessam a milhares de brasileiros. E não apenas aos ricos, convém não esquecer que o cidadão aprendeu a voar e gostou.

A estranhíssima venda de uma companhia aérea a compradores que até agora só pagaram 1% do que deviam desembolsar será assunto obrigatório nas salas de embarque no momento em que os aeroportos fecharem por causa do mau tempo.