O Brasil no varejo
A imprensa começa mais uma semana devendo aos leitores uma visão mais clara do que anda pela política nacional.
Nem mesmo as revistas semanais e as gordas edições domingueiras dos jornais conseguem estabelecer uma base para a formação de uma opinião sobre qualquer coisa. Fica difícil, por exemplo, saber o que anda por trás dos debates sobre a proposta de prorrogação da CPMF.
Para ter uma idéia aproximada dos interesses envolvidos na questão, seria preciso ler todos os grandes jornais, o que, claramente, não está ao alcance da maioria dos cidadãos habituados à leitura da imprensa.
No Estadão de hoje, um quadro simples conta muito sobre como o tributo acabou se transformando em uma bengala para as políticas sociais desde que foi criado, em 1993.
Poderia ter sido publicado há um mês.
Máquina inchada
Enquanto isso, outros assuntos importantes acabam se perdendo no meio do noticiário fragmentado, como, por exemplo, a questão do tamanho e da organização da máquina pública no Brasil.
A Folha de S.Paulo traz hoje uma reportagem mostrando como os Ministérios ignoram o decreto que impõe limite para a nomeação de funcionários sem concurso.
O jornal insinua que pode estar havendo loteamento político de cargos na administração federal, mas não ajuda o leitor a entender como isso pode estar relacionado às negociações para aprovar a prorrogação da CPMF.
Também está na Folha uma história que beira o absurdo: a Companhia Hidrelétrica do São Francisco aprovou em outubro 316 mil candidatos em concurso público e não tem nenhuma vaga disponível.
Os aprovados vão fazer parte de um ‘cadastro de reserva’, mas não existe nenhuma possibilidade de que pelo menos 1% deles sejam contratados.
Os especialistas em administração consultados pelo jornal não entenderam a razão do concurso. A estatal arrecadou 6 milhões de reais dos candidatos, e gastou 930 páginas do Diário Oficial para publicar a lista dos aprovados que ganharam um emprego de mentira.
Petróleo e propaganda
Por fim, passa-se a semana e a imprensa não conseguiu oferecer aos leitores uma versão conclusiva sobre o que realmente significa a descoberta do grande campo de petróleo no litoral de Santos.
A notícia correu mundo, exatamente na versão apresentada pelo governo, e por aqui ainda não sabemos como essa descoberta vai afetar o dia-a-dia dos brasileiros.
Dines:
– A mídia está devendo uma explicação à sociedade desde a quinta-feira passada, quando o governo anunciou em grande estilo os novos depósitos de petróleo na bacia de Santos. Na verdade trata-se de uma notícia requentada, anunciada em julho do ano passado no auge da temporada eleitoral. Como bom vendedor, o governo agora preferiu esquecer que o produto era de segunda-mão e apresentou-o como novo, zero quilômetros. Os portais, rádios e telejornais de quinta comeram mosca porque no dia seguinte, sexta, O Globo mostrou que a nova descoberta era uma velha descoberta. E até ontem, passados quatro dias, nenhum veículo — inclusive o próprio Globo — cobrou do governo um esclarecimento. Exceto alguns colunistas isolados. A omissão não diminui a enorme importância da descoberta, mas desvenda os procedimentos de propaganda do governo. E talvez explique porque o caudilho Chávez gozou o presidente brasileiro chamando-o de ‘magnata do petróleo’. Chávez sabia que o novo campo é o mesmo do ano passado, mas aos operadores políticos e especuladores do mercado de capitais não interessava diminuir a repercussão do anúncio E por que a mídia não denunciou a manipulação? Simplesmente porque o fim de semana é um buraco negro: o que se publica não é o que acontece, o que acontece não é o que se publica.