O caminho da impunidade
Uma série de notícias mais ou menos discretas, comentários e citações, publicada hoje pelos jornais, oferece a pista para o leitor sobre a direção que está sendo dada ao volumoso inquérito que a Polícia Federal batizou de Satiagraha.
Um detalhe está em declaração do ministro da Justiça, Tarso Genro.
Ele afirmou ontem a uma emissora de rádio, e a Folha de S.Paulo reproduz hoje, que o relatório apresentado pelo delegado Protógenes Queiroz para fundamentar os pedidos de prisão preventiva que tanto sensibilizaram altas figuras da República, indicavam ‘instabilidade na forma de conduzir as questões’.
Os advogados do banqueiro Daniel Dantas com certeza já correram atrás da gravação da declaração de Tarso Genro.
Ora, se o próprio ministro da Justiça coloca sob suspeita o equilíbrio de seu subordinado, responsável pelo inquérito, não fica difícil para os defensores oficiais de Dantas desmontarem a acusação.
Faltaria pouco para alguém demonstrar que não houve fraudes, que a tentativa de corrupção era brincadeira, que o instável delegado agiu movido por sentimentos mesquinhos e que Daniel Dantas merece, na verdade, ser beatificado.
Outro detalhe do noticiário pode levantar no leitor e cidadão uma suspeita ainda mais grave.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, permitiu que o senador Heráclito Fortes, do Partido Democratas, citado no inquérito, tenha acesso aos autos.
A razão é simples: o parlamentar é apontado no inquérito como lobista do grupo Opportunity.
Dessa forma, o senador fica oficialmente incluído no rol dos investigados.
Se Heráclito Fortes quiser, poderá requerer que o caso seja transferido das mãos do juiz Fausto Martin de Sanctis para o Supremo Tribunal Federal.
Como se sabe, Dantas andou alardeando que temia apenas a Polícia Federal e a primeira instância da Justiça, e que no STF as coisas andariam a seu favor.
Os jornais seguem publicando novas descobertas de irregularidades no banco controlado por Daniel Dantas.
Revela-se, por exemplo, que o Banco Central registra operações suspeitas no Opportunity desde 2002.
Está nas mãos do senador Heráclito Fortes, que já se declarou publicamente amigo de Daniel Dantas, transferir o processo para o ambiente onde o banqueiro se sente seguro.
Está nas mãos da imprensa investigar por que Dantas faz pouco caso da Suprema Corte.
Mais uma trapalhada
A aparição do presidente da República na televisão, com olhar transtornado, exigindo que o delegado Protógenes Queiroz reassuma o caso Daniel Dantas ou peça para sair foi uma decisão equivocada.
A divulgação de trechos da conversa na reunião que decidiu pelo afastamento do delegado só aumenta a confusão.
Alberto Dines:
– A sociedade brasileira só acredita em grampos e vazamentos – é o que se deduz da esdrúxula idéia do governo de gravar a reunião da cúpula da Polícia Federal e distribuí-la para a imprensa. Se a intenção era mostrar que o governo não forçou o delegado Protógenes Queiroz a se afastar da Operação Satiagraha, o resultado foi oposto: a reunião durou três horas, a Polícia Federal só divulgou quatro minutos, descontínuos, que não provam coisa alguma. Uma nota pública da PF junto com uma declaração escrita do delegado teriam mais credibilidade e não correriam o risco de serem ridículas. A verdade é que o conceito em sânscrito de Satiagraha, ‘vontade e firmeza’, corre o risco de ser traduzido para o português como ‘enorme trapalhada’. Nunca, em tão curto tempo, cometeram-se tantos desatinos como neste caso. O que deixou o Executivo constrangido não foi o conflito entre o presidente do STF e um juiz de primeira instância, foi o vazamento de um relatório protegido pelo segredo de justiça que atingiu o staff da presidência da República. Se desejasse mostrar firmeza o governo deveria prontamente punir os autores do vazamento. Não o fez porque teria que punir com a mesma severidade aqueles que vazaram o dossiê com os supostos gastos do presidente FHC. A mídia que se serve de vazamentos – porque não quer ou não sabe investigar – prefere passar ao largo de uma discussão crucial em benefício do interesse público. O único a mexer-se até agora foi senador Expedito Júnior, de Roraima, que resolveu fazer uma emenda ao projeto de lei para controlar abusos com grampos. Como é da base aliada, não quer castigar os vazadores, quer punir o veículo de comunicação que divulgar o vazamento. Expedito Júnior está oferecendo um novo modelo de mordaça. Ao invés de obrigar o governo a respeitar o Estado de Direito, quer acabar com ele.