Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>O carnaval de Arruda
>>O ridículo do outro lado

O carnaval de Arruda

Os jornais da quarta-feira de cinzas não deixam dúvida: este foi o carnaval do Arruda.

O governador licenciado do Distrito Federal, que passou os quatro dias da folia encarcerado preventivamente, é um caso inédito na política nacional, pelo menos em tempos democráticos.

No período em que o Brasil costuma vestir suas fantasias, ele representou, no noticiário, o elemento de uma possível nova realidade.
 
As revistas semanais, que vieram com edições carnavalescas, não pouparam o recolhimento de Arruda.

A revista Época, que havia anunciado antes dos outros veículos, em sua edição online, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, de prende-lo por atrapalhar as investigações do caso chamado “mensalão do DEM”, trouxe na capa uma manchete sem contemplação: “Acabou a farra de Arruda”, fazendo um trocadilho com o carnaval.

No interior da reportagem, trechos de investigações que a revista do grupo Globo já havia publicado em edições anteriores, para refrescar a memória dos leitores.
 
Carta Capital e IstoÉ também avançaram na tarefa de lembrar o leitor que não apenas o governador licenciado, mas também seu vice, o empresário Paulo Octávio, e quase metade dos deputados distritais de Brasília precisam ter apuradas suas responsabilidades.

Nem mesmo a revista Veja poupou Arruda, mas seu material mais interessante só pode ser lido no blog Radar-online.

A revista da Editora Abril não pode escapar de sua própria história: por mais agressiva que procure parecer agora, ao noticiar o escândalo de Brasília, não dá para esquecer que, em julho do ano passado, Veja havia oferecido ao então governador a entrevista principal da edição número 2.121 em suas outrora nobres páginas amarelas.
 
“Ele deu a volta por cima”, dizia então o título da entrevista, que procurava mostrar o governador como um político capaz de superar seus próprios erros e seguir adiante.

Na ocasião, chegou a ser noticiado que a decisão editorial, honrosa para José Roberto Arruda, havia passado pelo departamento comercial da revista.

O governo de Brasília havia firmado parceria com a Abril para distribuir milhares de exemplares de Veja nas escolas públicas do Distrito Federal, mas quem revelou a negociação não foi a grande imprensa.

Foi uma blogueira de Brasília, Paola Lima, que publicou cópias da documentação que previa a compra de revistas, no total de R$ 442.462,50, durante um ano.

Esse foi o preço da entrevista de Arruda.
 
O ridículo do outro lado

Os jornais diários trataram de acompanhar a rotina do governador licenciado na cadeia.

Visitas que recebeu, o que comeu, o que andou fazendo para matar o tempo.

Também mantiveram o leitor atualizado com relação aos esforços do governador interino, Paulo Octávio, para se manter no cargo e escapar do envolvimento no esquema de distribuição de propinas.

Quem desviou os olhos do noticiário carnavalesco ficou sabendo que Paulo Octávio já pensa em renunciar ao cargo, para evitar maiores prejuízos aos seus negócios.
 
Como tem sido noticiado, o vice-governador de Brasília pertence à nova geração daquela casta de empresários que, desde o tempo da construção da capital federal, há 50 anos, realizam o milagre do capitalismo às custas de negócios na área pública.

Mas essa não é uma história que veremos com freqüência nos jornais.

O noticiário também nos conta que a quadrilha pretende entregar para sacrifício parte de seus integrantes, para evitar medidas mais severas.

Nesta quarta-feira de cinzas, os jornais dizem que a Câmara do Distrito Federal vai cassar três dos oito deputados envolvidos diretamente no escândalo, para tentar evitar a intervenção federal.
 
O noticiário também traz algumas curiosidades, como, por exemplo, o esforço da imprensa para mostrar o chamado “outro lado” da questão.

A obrigação de oferecer amplo direito de defesa, que não vale para todos os escândalos, pode criar situações patéticas.

Diante da obrigação de entrevistar o advogado do governador preso, os jornais publicam diálogos do tipo: “o que o senhor tem a dizer?” – e a resposta: “que o meu cliente é inocente” – como se algum advogado fosse dizer o contrário.

Todos os jornais destacaram a declaração do advogado de Arruda, que reclamou que seu cliente não foi ouvido antes de ser preso.

Ora, nenhum jornal se lembrou de esclarecer que Arruda foi ouvido, sim, e não apenas foi ouvido. Ele também foi visto, em cenas gravadas e profusamente difundidas pela televisão e pela internet.

Arruda caiu no jornalismo das redes sociais, do qual não há negociata que o livre.