O circo da política
Dois dias depois da escolha dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, os jornais de hoje praticamente relegam a política nacional a segundo plano nas suas primeiras páginas.
A exceção é o Globo, que sai com um título irônico acima da manchete principal: ‘Congresso sob velha direção – cinco exemplos de hábitos antigos que persistem entre deputados e senadores’.
Entre os casos citados, a volta do vício de estender as sessões de discursos na Câmara para além das 19 horas, o que custa 450 mil reais por dia de horas extras.
Essa prática havia sido eliminada pelo antigo presidente, Arlindo Chinaglia, e foi retomada ontem por Michel Temer.
Embora tenham rebaixado a política entre os destaques do dia, os demais jornais também chamam atenção para a volta de velhos hábitos.
Exemplo: seis deputados que estavam de férias voltaram à Câmara apenas para a eleição do presidente da Casa e terão direito a um mês inteiro de salário, por apenas um dia de trabalho.
Em seu primeiro dia como presidente do Senado, José Sarney – aquele mesmo – criou o cargo de líder da minoria e o entregou ao partido Democratas, como pagamento pelo apoio recebido.
O cargo dá direito a um corpo próprio de assessores, com os gastos equivalentes.
Pelo que noticiam os jornais, o Congresso Nacional parece estar situado em outro país.
Ou em outro planeta, onde ainda não se ouviu falar de crise.
O intenso noticiário sobre velhas novidades na política nacional faz sentido: os senhores parlamentares querem estar bem posicionados quando a campanha para a sucessão presidencial esquentar.
Quem está nos galhos mais altos tem uma visão mais clara da floresta, e pode saltar com mais certeza para a candidatura mais promissora.
Por enquanto, a cúpula do Congresso é dominada por aliados do presidente Lula da Silva.
Afinal, ele acaba de bater os 84% de popularidade, um número que ainda assombra a imprensa.
E é visto como o grande cabo eleitoral para a sua própria sucessão.
Mas, como tem nos ensinado a história recente, lealdade não é uma virtude cultivada no Parlamento.
Se o leitor prestar bastante atenção aos jornais, irá observar que até mesmo a imprensa parece cansada desse jogo: o noticiário sobre as disputas rasteiras por cargos e posição no Congresso denota certo distanciamento, como se Brasília se houvesse transformado numa ilha descolada do continente Brasil.
A política é descrita quase como um espetáculo de circo.
O problema é que depende desses senhores o prosseguimento das reformas sem as quais não iremos a lugar nenhum.
Excelência e credibilidade
O jornais americanos registram audiência maior em seus sites noticiosos.
O fenômeno pode estar relacionado à necessidade de notícias confiáveis e imediatas sobre medidas do novo governo contra a crise.
E, de qualquer maneira, revela que os velhos títulos de qualidade ainda podem manter sua reputação.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Uma pesquisa divulgada semana passada nos Estados Unidos pelo instituto Nielsen mostrou a quantas andou a audiência dos sites dos jornais americanos durante o último dezembro. No cômputo geral, os dez principais jornais tiveram 16 por cento a mais de visitantes únicos em comparação a dezembro de 2007. É um crescimento parrudo.
(Um parênteses: a contagem de visitantes únicos dá-se apenas uma vez num determinado período – em geral, um mês –, mesmo que esse visitante tenha voltado várias vezes ao site pesquisado.)
O jornal campeão da pesquisa foi o New York Times, com 18 milhões de visitantes únicos – média diária superior a 580 mil –, seguido do USA Today (11,4 milhões), Washington Post, Los Angeles Times e Wall Street Journal.
Com a crise que se abate sobre a mídia impressa, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, os números desse levantamento apontam pelo menos três pontos importantes. O primeiro confirma que a marca dos jornais ainda é um ativo poderoso, capaz de atrair leitores numa plataforma que não a impressa, de onde são originários. O segundo apresenta o grande desafio dos novos tempos para as empresas jornalísticas: como integrar as redações online e de papel numa estrutura de negócios que faça rentáveis as duas operações. E terceiro, uma constatação que vale tanto os EUA como para o Brasil: se a marca do jornal ainda é forte, ela só se manteve – se manterá – por conta da credibilidade conquistada ao longo dos anos. E a credibilidade só se sustenta quando calçada num jornalismo de excelência. Fazer bom jornalismo, pensando no leitor, ainda é a melhor saída para essa crise.