O dinheiro do crime
O Estado de S.Paulo antecipa, na edição de hoje, parte das informações que devem ser divulgadas ao longo do dia pelo Coaf – Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
Junto com a extinta CPMF, o Coaf compunha o mais eficiente instrumento das autoridades para investigar a movimentação de dinheiro do crime organizado e da corrupção.
Os dados publicados hoje pintam um quadro gravíssimo sobre o alto nível de organização e o poder financeiro do crime na capital paulista.
Em apenas vinte meses, 748 pessoas suspeitas de pertencer à facção criminosa denominada Primeiro Comando da Capital movimentaram 63 milhões de reais.
Embora os valores das operações sejam contabilizados cumulativamente, o que pode gerar distorções no relatório, o fato de os criminosos trabalharem preferencialmente com dinheiro vivo e com o chamado ‘caixa 2’ indica que o total pode ser até maior do que o que foi detectado pelo Coaf.
Segundo o Estadão, o fluxo de depósitos e transferências revela a estratégia dos criminosos: de contas menores, geralmente em nome de ‘laranjas’, parentes ou mulheres dos integrantes do esquema, o dinheiro flui para cerca de uma centena de contas-matrizes.
Com o rastreamento, as autoridades puderam constatar, por exemplo, que os criminosos têm ligações com empresários do transporte coletivo alternativo, os perueiros que atuam na periferia da cidade.
Pode-se deduzir que, por trás desse esquema, estrutura-se uma ampla e muito organizada rede de poder, capaz de influenciar até mesmo eleições importantes e a estabilidade de servidores públicos, como diretores de escolas e delegados de polícia.
Os dados serão divulgados hoje para toda a imprensa.
Como o Estadão publicou antes, o que indica favorecimento das autoridades, é possível que os outros jornais fiquem enciumados, não passem recibo do ‘furo’, ignorando a notícia ou deixando para segundo plano.
Mas se trata seguramente de um dos fatos mais relevantes no noticiário das últimas semanas, que merece um esforço adicional de investigação.
As conexões entre alguns nomes que aparecem na lista da Coaf podem ajudar a Justiça Eleitoral a fazer uma limpeza preventiva nas relações de candidatos na eleição municipal deste ano na região mais habitada do País.
É uma grande oportunidade para a imprensa demonstrar que ainda se dedica a fazer jornalismo de verdade.
O triunfo da boçalidade
Também é do Estadão a melhor contribuição do fim de semana para a análise do papel da mídia na cultura e na qualidade da sociedade contemporânea.
‘A era da performance’, texto publicado no caderno Aliás, edição deste domingo, traz excelentes reflexões sobre a sociedade do exibicionismo sem limites, no qual, aliás, a mídia cumpre o papel fundamental de veículo ou, como se diz no mundo das artes plásticas, de ‘suporte’.
O antiintelectualismo, a ignorância arrogante, a supremacia da tecnologia sobre o conteúdo, a privacidade transformada em espetáculo são alguns dos temas tratados numa longa conversa entre a jornalista Lúcia Guimarães, correspondente em Nova York, e o ensaísta Lee Siegel.
O resultado oferece uma plataforma para reflexão de educadores, formuladores de políticas culturais e de comunicação, mas principalmente para os profissionais da mídia.
Das séries de TV que exploram a intimidade de seres evidentemente patológicos ao fenômeno dos ‘blogs’ que constróem e destróem paradigmas, Lee Siegel devassa o universo que construímos com o casamento entre a tecnologia da informação e o mais irresponsável mercantilismo da mídia.
O ensaísta não afirma que a Internet criou patologias de comportamento, mas observa que o negócio da mídia na internet transformou patologias em objetos de valor positivo.
Ele não precisa citar, mas o leitor atento vai se lembrar de aberrações como o programa Big Brother Brasil e assemelhados, que oferecem uma faceta mais ou menos inocente na rede aberta de TV, mas deixa escancarados na internet comportamentos cuja audiência os donos da emissora se envergonhariam de partilhar com seus filhos.
E em cima de tudo isso, os personagens do programa são avalizados como ‘protagonistas’ em jornais do mesmo grupo empresarial.
O caderno ‘Aliás‘ desta semana é para ler, guardar e manter o espírito crítico no oceano de mediocridades em que estamos mergulhados.