O dinheiro ignora a política
O noticiário de economia e negócios revela muito mais sobre o Brasil contemporâneo do que faz crer a confusão de declarações e vazamentos que preenche as páginas dos jornais e revistas em torno da atual campanha eleitoral.
O alinhamento da imprensa, de forma majoritária, com um grupo partidário específico, é mais evidente e menos disfarçado nas eleições deste ano do que foi nas eleições presidenciais de 2002 e 2006.
O leitor, ouvinte e telespectador precisará de muito discernimento para entender o Brasil que se manifesta sob a algaravia da campanha.
Um bom resumo do que acontece está publicado nesta quarta-feira, na coluna do jornalista Vinicius Torres Freire, da Folha de S.Paulo: “Dinheiro ignora tumulto eleitoral”, diz o artigo.
Segundo o jornalista, os investidores estrangeiros continuam desembarcando festivamente na economia brasileira e o capital não dá a mínima para a barafunda eleitoral.
Mas, espere aí: não era este um governo de esquerda, e aqueles que são a oposição não seriam os defensores do capitalismo?
Essa aparente contradição, na qual uma oposição supostamente alinhada com o chamado neo-liberalismo ataca um governo chamado de populista de esquerda e não consegue ser ouvida pelo mercado, tem um motivo muito claro: a mobilidade social produzida pela combinação da estabilidade com as políticas de inclusão estimula a economia de baixo para cima, criando um ambiente positivo em toda a pirâmide social.
Aliás, os analistas já não falam em pirâmide social, pois até essa figura geométrica foi subvertida no Brasil.
A configuração das classes de renda tem agora uma base muito menor, com a redução da pobreza, e uma geometria mais para o formato de um balão, um octaedro estendido, com o centro do espectro social inflado pela nova classe média.
Nesse cenário em que a sensação de bem-estar e de otimismo se consolida em bases reais, percebidas pelos cidadãos, o discurso oposicionista tradicional se torna inócuo.
Não adianta falar em déficit externo e juros da dívida se esses detalhes se perdem no cenário geral de crescimento.
No meio da barafunda de campanha, apenas uma vozinha, tímida e trêmula, poderia lançar um argumento relevante: é a voz da candidata Marina Silva, a questionar a sustentabilidade desse crescimento.
Mas nem a chamada oposição, nem sua aliada, a grande imprensa, parecem entender do que se trata.
A televisão faz 60 anos
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Neste próximo sábado a televisão completa 60 anos de atividade no Brasil. Tudo começou por obra e graça de Assis Chateaubriand, então controlador dos Diários Associados, à época o mais poderoso grupo brasileiro de mídia, com uma rede de jornais, agência de notícias e emissoras de rádio a cobrir praticamente todo o país.
A TV Tupi começou a operar em São Paulo em 1950. E de lá para cá o meio televisão só fez ampliar a presença no Brasil, sobretudo a partir da decisão estratégica dos primeiros governos do regime imposto em 1964 no sentido de integrar o país por microondas, então uma tecnologia avançadíssima.
Nesse momento a TV Globo já estava constituída e iniciava sua expansão nacional com base na infraestrutura estão disponível. E o que se viu, para resumir exageradamente uma história de sessenta anos, foi a transformação da televisão em mídia hegemônica no país, presente na quase totalidade dos lares brasileiros.
Cresceu e, malgrado ser uma concessão pública, converteu-se em negócio muito lucrativo, tanto do ponto de vista material como simbólico. A televisão vende produtos, produz cultura, pode eleger políticos e assassinar reputações. E, se no Brasil, estabeleceu um padrão de qualidade formal reconhecido e copiado em todo o mundo, de outra parte não se tem aqui possibilidade alguma de comparação com os níveis de regulação a que esta mídia está submetida na maioria dos países democráticos.
A televisão brasileira chega aos sessenta anos carregando o DNA do seu fundador, Assis Chateaubriand, jornalista e empresário a quem sempre foi simpática a ideia de que os fins justificam os meios. Assim construiu um império. Saiu de cena, mas a mídia que implantou gerou novos impérios, vitaminados pelos anos do “milagre brasileiro” e por uma legislação sempre condescendente. A propriedade cruzada, no Brasil, é uma festa, a regulação inexiste. E na atual campanha eleitoral, este é um tema ausente do discurso dos principais candidatos. E da imprensa que cobre suas campanhas.