O filão dos dossiês
Os jornais demoraram quase uma semana para descobrir o primeiro grande filão da temporada eleitoral: a denúncia, publicada pela revista Veja, de que um grupo de assessores do Partido dos Trabalhadores estaria preparando um dossiê com denúncias envolvendo a filha do ex-governador José Serra.
A reportagem de Veja, recheada de suposições, dá conta de mais uma dessas trapalhadas de campanha, mas não apresenta nenhuma evidência de que estivesse em curso algo parecido com a ação que ficou sendo conhecida pelo nome que o presidente Lula da Silva deu aos seus protagonistas: os aloprados.
Os jornais não acreditaram em Veja e resolveram checar tudo antes de entrar na história?
Ou alguém exigiu a publicação?
Todos os partidos produzem dossiês sobre seus adversários todo o tempo.
Todos eles mantêm assessores encarregados de coletar e organizar bancos de dados sobre declarações, atos e posicionamento de seus adversários, todos os dias de todos os anos.
O objetivo é sempre flagrar contradições, erros e malfeitos que em algum momento sirvam como munição na guerra suja que acontece periodicamente.
Em tempo de disputa eleitoral, esse material é revisitado e preparado para municiar a campanha.
Eventualmente, um ou outro extrapola e atinge alguém que não tem registro de candidato, como aconteceu em 1989 com a jovem Lurian, filha do então candidato Lula da Silva.
Essas informações, cuja veracidade fica difícil comprovar, podem eventualmente integrar a estratégia de um candidato, sob a forma de dossiês ou, isoladamente, vazadas para a imprensa em momentos mais convenientes.
Eventualmente, em jogadas combinadas, uma denúncia desse tipo vira tema de CPI ou inquérito policial, para mais adiante se configurar em “pizza”.
Com o desenvolvimento das redes sociais na internet, tais bombas de efeito moral são despejadas em ritmo cada vez mais intenso, conforme se aproxima a data das eleições.
Mas pouca gente dá credibilidade às correntes de bobagens que viaja continuamente entre os emails.
Em geral, essas mensagens circulam em grupos homogêneos cuja tendência política dificilmente irá mudar por causa de denúncias anônimas.
O problema se torna grave, e pode ameaçar a lisura da disputa eleitoral, quando a imprensa agasalha tais denúncias, emprestando sua credibilidade a fabricantes de boatos.
Os tais dossiês só passam a existir quando agasalhados pela imprensa.
Seus autores agradecem.
A imprensa de chuteiras
Depois de haver demonizado o técnico da seleção brasileira de futebol, Carlos Caetano Bledorn Verri, o Dunga, e de finalmente haver admitido suas qualificações após a bem sucedida campanha de classificação para a Copa do Mundo, a imprensa esportiva do Brasil, de modo geral, só voltou a fazer críticas quando ele se negou a convocar os jovens atletas que se destacaram no Santos Futebol Clube neste semestre.
À medida que se aproxima a data de abertura da Copa, o ufanismo vai tomando conta das redações, na mesma proporção em que se vai reduzindo o senso crítico.
Foi assim, com um misto de entusiasmo e reserva, que os jornais compuseram o noticiário sobre o resultado do jogo amistoso de quarta-feira contra a seleção semi-amadora do Zimbábue.
As críticas foram mais severas nos programas radiofônicos e em algumas das chamadas mesas redondas da televisão.
Em geral, o que se critica é a inconveniência de submeter os jogadores brasileiros, alguns deles em fase de recuperação física, aos riscos de um confronto no qual nada havia a ganhar e muito se poderia perder.
Para um treino como aquele, argumentam alguns críticos, melhor seria enfrentar o próprio time reserva do Brasil.
Havia, é claro, o incentivo de US$ 1,8 milhão de dólares, pago pelo governo do Zimbábue, segundo fontes oficiais, com patrocínio de três empresas.
O que a imprensa deixou de registrar com as cores fortes devidas foi o fato de a seleção ter servido de palanque para Robert Mugabe, um dos mais sanguinários entre os tiranos da África.
Na lista das justificativas para o negócio, destaque para a opinião do embaixador brasileiro em Harare, Raul de Taunay.
Para ele, Mugabe é um herói nacional e o Zimbábue, com seus 12 milhões de habitantes, sem moeda nacional, sem economia organizada e com um dos mais baixos indicadores de pobreza do mundo, é “um grande mercado”.
A cena de jogadores da seleção brasileira cumprimentando o ditador merecia mais rigor da imprensa.