O mosquito que ninguém viu
Os jornais descobriram hoje que a dengue que ataca no Estado do Rio mata 20 vezes mais que a média tolerada pela Organização Mundial da Saúde.
A letalidade aceita pelo organismo da ONU é de um morto a cada cem contaminados e, segundo a OMS, o caso do Rio é mais grave do que o surto ocorrido na Índia em 2006, quando 4 mil pessoas ficaram doentes e cem delas morreram por causa do vírus da dengue.
Na verdade, as autoridades não sabem exatamente, ou não querem divulgar, quantas pessoas já morreram no Rio neste verão por causa do vírus transmitido pelo mosquito Aedes Egypti.
Admite-se que mais de 32 mil pessoas tenham sido contaminadas.
Se o índice de mortes é de pelo menos 20 a cada cem, basta fazer uma conta simples, mas as autoridades confirmam cerca de cinquenta óbitos e a imprensa não descobriu uma fonte confiável que faça esse cálculo.
Ou que faça um balanço dos atestados de óbito nos hospitais.
Para o leitor distraído, que não presta atenção nas pequenas notas dos jornais, parece que a imprensa e as autoridades foram surpreendidas pela agressividade da doença.
Na verdade, os jornais vinham publicando registros da evolução da dengue desde 2005, mas os dados ainda eram tímidos até a semana passada.
Em 2002, houve no Rio o mesmo número de contaminados – cerca de 32 mil no auge da crise –, mas o número de mortos foi bem menor.
Jornalistas que cobrem a área da saúde sabem que, no caso da dengue, o risco aumenta com as reincidências.
Sabem também que, normalmente, o total de óbitos resulta de uma equação que considera a demora no atendimento, mas os sinais dados pelos jornais desde janeiro deste ano foram fracos até mesmo para serem percebidos nas próprias redações.
O leitor atento questiona: onde estavam os jornalistas enquanto a doença se espalhava pelos bairros pobres do Rio? Ninguém viu que o número de casos de dengue e de mortes pela doença estava subindo? Os jornalistas vivem em que planeta, já que parece que todo mundo conhece alguém que ficou doente?
A revista Época desta semana tem até o depoimento de um repórter cujo pai morreu de dengue. Não tocou nenhum alarme nas redações? E por que isso?
Será que as redações perderam o contato com a sociedade e ficam dependendo de declarações das autoridades?
Compare-se, então, a atual situação de calamidade social no Rio aos casos de febre amarela ocorridos nas zonas rurais do Centro-Oeste no ano passado.
Os jornais nunca divulgaram o número exato de casos nem quantas mortes foram confirmadas.
O surto que a imprensa noticiou na época nunca chegou a ser confirmado, mas sabe-se que o número de casos era tão baixo que foram necessários dez dias para que alguém publicasse um levantamento das ocorrências nos dez anos anteriores.
Mas o escândalo que a imprensa fez na ocasião foi tão grande que levou muita gente a tomar a vacina desnecessariamente.
Até hoje há suspeitas de que morreu mais gente da vacina do que da doença.
Será que, para a imprensa, existem diferenças entre os mortos municipais, estaduais e federais?
O Conselho sumiu
A quem não interessa ver funcionando o Conselho de Comunicação Social?
O órgão social de defesa da liberdade de informação se desvanece sob a omissão ativa do governo e a indiferença do Congresso.
Alberto Dines:
– Cerca de 90% dos que votaram na urn@ eletrônica do Observatório da Imprensa nesta semana, reconhecem que não sabem quais as atribuições do Conselho da Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional em tudo o que se refere à imprensa e à mídia. Previsto pela Constituição, o Conselho funcionou ativamente no período 2002-2004, depois foi sumindo, sumindo até que deixou de funcionar ao longo do ano passado inteiro. Neste ano a Mesa do Senado sequer indicou os seus membros. A mídia não está interessada em fortalecer um órgão que eventualmente pode criticá-la, os congressistas por sua vez não querem fortalecer um órgão que pode prejudicar os seus interesses corporativos e ao governo, obviamente, não cabe interferir no Legislativo. Então, vamos acabar com o Conselho de Comunicação Social ou, ao contrário, torná-lo mais vivo e mais atuante? As respostas você pode encontrar hoje à noite no Observatório da Imprensa, às 22:40, ao vivo na TV-Cultura e na TV-Brasil.