Balanço da imprensa 2010
O novo herói da mídia
O ano de 2010 está chegando ao fim e, com ele, um governo que, em dois mandatos, viveu o inferno em suas relações com a chamada imprensa tradicional.
Muito foi dito neste observatório sobre esse conflito, que teve seu auge nos anos de 2005 e 2006 e, mais recentemente, na campanha eleitoral de 2010. E os observadores que acompanham estas análises desde então se dividiram em dois grupos inconciliáveis: aquele que vê em cada linha, em cada notícia, uma conspiração do “Partido da Imprensa Golpista” e aquele que imagina que toda crítica à imprensa é militância em defesa do lulo-petismo.
São raros, na verdade, os comentaristas que conseguem escapar desse estado de guerra, que teve episódios grotescos, como o da bolinha de papel – ou rolo de adesivo – capaz de produzir uma tomografia e uma infinidade de teorias, cada uma mais exdrúxula que a outra.
Toda essa parafernália de argumentos desapareceu repentinamente da imprensa e das cartas de leitores logo após a eleição – tanto nos jornais quanto nos comentários de blogs – e a política toma outros rumos.
No noticiário dos jornais, o que se viu, durante todo o mês de dezembro, foi a correria dos repórteres para tentar antecipar as escolhas do futuro ministério, dos cargos importantes no Banco Central, e a composição de poder da aliança que venceu a eleição presidencial.
Sobrou um pouco de atenção para a formação de alguns dos novos governos estaduais e destacou-se também o processo de reorganização das forças oposicionistas.
Nesse sentido, a leitura diária dos jornais mostrou claramente que, para a imprensa, o ex-governador José Serra já é parte do arquivo morto da política.
Suas tentativas de ocupar uma vitrina nacional e dali continuar influenciando a política, não receberam o respaldo que se esperava da imprensa, considerando-se o espaço com que sempre contou enquanto representava uma alternativa de poder.
A imprensa tradicional do Brasil já tem novo candidato à Presidência da República. Ele se chama Aécio Neves.
Jogos de poder
De tempos em tempos, a imprensa tradicional do Brasil elege seus heróis. Quase sempre, escolhe entre as alternativas mais conservadoras.
Foi assim em 1985, quando Fernando Henrique Cardoso disputou a prefeitura de São Paulo pelo PMDB: a maioria dos grandes jornais manifestou clara preferência por Jánio Quadros, não nos editoriais, mas na intensidade crítica do noticiário.
O episódio em que FHC, considerado então representante das forças da esquerda, sentou-se na cadeira de prefeito antes da eleição, foi na verdade estimulado por fotógrafos dos jornais e depois oportunisticamente explorado pela mídia.
Da mesma forma, as respostas dúbias a perguntas maliciosas sobre uso de maconha e religiosidade foram manipuladas no noticiário da época.
Fernando Henrique só se tornou palatável para a imprensa tradicional quando se apresentou como a única alternativa para bloquear a chegada do PT ao poder, de 1994 em diante, assim como o PSDB só passou a ser o predileto da mídia quando se revelou ou se tornou um partido de centro-direita.
Antes dele, a imprensa já havia inventado Fernando Collor, cujo governo acabou em impeachment, com protagonismo decisivo de seus antigos apoiadores na mídia.
A história dessa reviravolta ainda está por ser contada em detalhes, mas, em suma, trata-se da mesma antiga tradição da troca de apoio em projetos de poder.
É preciso contar, por exemplo, como as medidas econômicas de Collor possibilitaram o sucesso do Plano Real, e de como o isolamento do chamado “centrão”, promovido pela elite parlamentar que viria a constituir o PSDB, acabou criando o bloco que veio a se aliar sucessivamente a Fernando Henrique e depois a Lula da Silva, compondo o perfil fisiológico do Congresso Nacional que a sociedade tanto deplora.
Final de ano, início de nova década, fim de um ciclo fascinante da política nacional, era tempo de a imprensa nos brindar com um olhar isento e profundo sobre a história recente da nossa democracia.