O noticiário do fim de semana oferece aos estudiosos da mídia informativa um campo fértil para entender alguns dos dilemas da comunicação no nosso tempo. Para toda informação selecionada pelo sistema da imprensa hegemônica há uma contrainformação ou uma variedade de alternativas que podem oferecer interpretações diversas ou opostas ao que propõe a mídia tradicional. Então, por que predomina no imaginário da maioria a versão específica da imprensa?
Por exemplo, no caso da desastrada viagem de políticos brasileiros da oposição à Venezuela, a versão dos jornais, segundo a qual eles tiveram sua movimentação tolhida no caminho entre o aeroporto de Caracas e os endereços que pretendiam visitar, é colocada em dúvida por outras fontes, que dão conta de um trivial engarrafamento de tráfego. A insistência dos parlamentares em dizer que foram abandonados pelo embaixador brasileiro esbarra no esclarecimento de que o Itamaraty nunca lhes havia oferecido essa assistência.
Outro tema, o da possível rejeição de contas do governo federal por parte do Tribunal de Contas da União, se esvazia com a nota técnica pela qual o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin se responsabiliza por operações tidas como irregulares, tira a presidente Dilma Rousseff da mira e a exime de ter que responder por manobras que melhoraram o resultado do balanço orçamentário de 2014.
Por outro lado, as acusações que levaram à prisão de executivos de duas das maiores empreiteiras do país, inclusive os presidentes das empresas, são colocadas em dúvida por esclarecimentos publicados pelo grupo Odebrecht em anúncio pago publicado nos jornais de segunda-feira (22/6).
Em cada um desses temas, que compõem a agenda proposta pela mídia tradicional e multiplicada no universo hipermediado das interações digitais, o único fator que consolida uma versão e marginaliza as demais é a escolha do editor. Por consequência, aquilo que o público em geral considera como verdade é apenas uma das possibilidades de cada evento noticiado, definida pelo viés da imprensa.
Ou alguém tem dúvida de que, se o empresário Marcelo Odebrecht estivesse sendo investigado por obras no metrô de São Paulo, ele estaria respondendo a um eventual processo em liberdade?
E mais: que esse assunto estaria enterrado, assim como outros casos de corrupção, como o escândalo da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo, que foi esquecido pela mídia?
Condenações a priori
As discussões sobre a condução de processos que ganham holofotes na imprensa são inconclusivas, não apenas porque o jornalismo declaratório reflete o interesse da mídia tradicional, mas também porque altera o poder discricionário dos investigadores e da Justiça.
Essa relação convergente entre o desejo do investigador e do julgador – de ver confirmadas suas suposições – e a oferta, pela mídia, de um aval para essas versões, cria uma lente que pode distorcer os fatos. Por isso, é interessante observar como a nota publicada pela Odebrecht (ver aqui), que ocupa meia página de jornal, insere uma quantidade considerável de dúvidas nas acusações que ocupam muitas páginas dos mesmos diários. No entanto, o que predomina no imaginário do público, com toda certeza, é a convicção de que a empresa não apenas está envolvida no esquema da Petrobras, como era o eixo principal do suposto cartel.
A imagem de um empresário poderoso algemado mexe com as emoções, e a imprensa sabe manipular esse “espírito da Bastilha”. Alguns teóricos da comunicação observam que a mídia tradicional ganha uma espécie de sobrevida justamente quando exerce o papel de ancorar alguns aspectos das múltiplas informações que formam o ambiente hipermediado. Essa é uma função diversa daquela tradicional, de mediar os fatos tidos como relevantes.
O jornal Valor Econômico contribui para o entendimento de como se dá essa ancoragem, na reportagem principal do caderno especial de fim de semana, sobre como o foco se transforma em artigo de luxo no ambiente saturado de informação.
Ao selecionar os elementos que serão inseridos na agenda pública, e definir a versão predominante dos fatos, a imprensa está exercendo um poder discricionário – de prender o foco do público em um aspecto específico de acontecimentos complexos.
A imagem dos empresários algemados significa uma condenação a priori. Nesse contexto, a liberdade de imprensa, exercida com um viés específico, se reverte em cerceamento de outras liberdades, como o direito de alguém demonstrar que está sendo injustamente acusado de um crime.
Ao contrário do que costumam dizer os representantes da mídia tradicional, o exercício discricionário desse poder atenta contra o direito à informação.