O poder do ‘baixo clero’
Jornais e revistas concentraram sua atenção, durante os últimos dias, no deputado Edmar Moreira, que esteve corregedor e segundo vice-presidente da Câmara por uma semana e será imortalizado como o dono do castelo.
Resultado: ele se viu obrigado a renunciar aos cargos para tentar salvar o mandato.
Provavelmente esse será o desfecho do escândalo, se a imprensa afrouxar o rigor com que cobriu o efêmero momento de celebridade de Edmar Moreira.
O episódio é apenas mais uma amostra do que é o Congresso Nacional depois que o chamado ‘baixo clero’ deixou os bastidores e se atreveu a sair para a política à luz do dia.
‘Baixo clero’ é a expressão criada no tempo do deputado Ulysses Guimarães, um dos líderes do processo de redemocratização do País, para definir o poder dos deputados de pouca expressão movidos principalmente por interesses paroquiais ou pessoais.
Eles sempre foram uma força política expressiva, mas costumavam atuar nos porões do Legislativo, engordando com as migalhas das disputas entre as figuras mais renomadas que frequentam o noticiário.
A ascensão do senador José Sarney e do deputado Michel Temer ao comando das duas casas do Congresso acendeu os holofotes sobre personagens como Edmar Moreira.
Levado à Mesa Diretora por conveniência do ‘baixo clero’, que precisa ter um aliado na Corregedoria para seguir praticando seus pequenos negócios, Edmar se empolgou e andou anunciando que não petendia correger, consertar, sanar coisa nenhuma.
Os parlamentares sofrem, como ele declarou, do ‘vício da amizade’, razão pela qual tudo sempre segue como sempre foi.
Foi então que a imprensa descobriu seu castelo, e por trás dele uma sólida carreira de trambiqueiro com mandato legislativo.
Mas, apesar da marcação cerrada dos jornais e revistas brasileiros, não foi a imprensa nacional que fez o melhor retrato do que vem a ser o Senado e a Câmara nas mãos de Sarney e Temer.
É a revista britânica The Economist, na edição que circula desde sexta-feira, que chama a atenção para o que significa a nova-velha direção do Congresso nacional.
O título da reportagem da Econimist não poderia ser mais explícito: ‘Onde dinossauros ainda vagam’, anuncia o texto, que considera a eleição de Sarney para a presidência do Senado como a ‘vitória do semifeudalismo’.
A reportagem traça um perfil do veterano político e do poder de sua família no Maranhão, observando que, em quinze anos de domínio da família Sarney, o Estado ainda tem uma taxa de mortalidade infantil 60% mais alta do que a média do Brasil.
A oligarquia eletrônica
O deputado Edmar Moreira perdeu a boquinha de corregedor por falar demais.
Mas ele é peixe pequeno. ‘Baixo clero’, como gostam de dizer os repórteres de Brasília.
Foi preciso um esforço mínimo de reportagem para revelar seu perfil e conduzí-lo à renúncia.
Difícil será encontrar na imprensa quem se atreva a revelar o que significa a volta de José Sarney à presidência do Senado.
Alberto Dines:
– Os jornalistas de Brasília estavam cansados do recesso, queriam exercitar os músculos antes da nova ‘saison’ política. Em menos de uma semana liquidaram o novo Severino, o deputado Edmar Moreira, o tal do castelo medieval e do ‘vício da amizade’: perdeu o cargo de corregedor, foi obrigado a renunciar à 2ª Vice-Presidência e corre sério risco de perder o mandato. Parada fácil. Mais complicada vai ser a tarefa de abalar o Vice-Rei, José Sarney, presidente do Senado pela 3ª vez em 14 anos. O inabalável e imortal Sarney foi grampeado pela Polícia Federal e ontem a Folha de S. Paulo publicou sua conversa com filho, instruindo-o como usar uma TV de sua propriedade para atacar inimigos políticos locais. Isso é vedado: TV é uma concessão pública, o concessionário não pode ser um parlamentar e, o pior, não pode usar uma concessão em benefício próprio. A matéria da Folha é extraordinária porque o ex-presidente da República é colunista do jornal há quase duas décadas. Intocável. Até ontem. A Folha tem sido o jornal que mais investe contra o coronelismo eletrônico. Mas se o resto da mídia não se mexer, Sarney continuará como o Vice-Rei do Brasil e as concessões de radiodifusão continuarão como o exemplo mais aviltante do vício da amizade.