O quadro da crise
A leitura cuidadosa – e com certo viés otimista – das notícias publicadas nos últimos dias pela imprensa brasileira permite compor um mosaico muito interessante sobre como a crise pode estar induzindo mudanças importantes em políticas públicas e nas relações de negócios no Brasil.
Estamos falando do que se pode construir para o longo prazo quando uma crise é encarada como oportunidade.
Mas também é preciso levar em conta, nessa análise curiosa, a fragilidade e até mesmo a perversidade de certas instituições nacionais, como aquelas envolvidas nas relações políticas e na administração da justiça.
Primeiro, a constatação de que o setor financeiro não apenas se diferencia de seus congêneres no resto do mundo, como a constatação de que os bancos brasileiros finalmente começam a descobrir a chamada “base da pirâmide social”, e passam a ofertar serviços e produtos mais apropriados à nova classe média, de perfil ainda pobre, que já compõe a maioria da população.
Como se sabe, o microcrédito é um importante fator de desenvolvimento econômico.
Paralelamente às notícias sobre a mudança de estratégia de alguns bancos, que pontuam aqui e ali as editorias de negócios dos jornais, deve-se considerar também o novo perfil dos correntistas, mais cautelosos na administração de seus recursos.
Da mesma forma, o pacote de medidas de estímulo à economia traz detalhes que, se observados com atenção, podem revelar o quadro que vai sendo composto conforme são implantadas.
As obras de infraestrutura, com todos os defeitos e suspeitas que sempre surgem quando os cofres públicos são abertos, permitem vislumbrar um novo mapa geoeconômico para os próximos anos, com a provável movimentação de trabalhadores para regiões hoje pouco densas. Com o consequente surgimento de oportunidades de negócio e fixação da população nessas áreas.
Os planos de construção de moradias populares em larga escala, com prestações mensais subsidiadas de até 20 reais por mês, oferecem aos mais pobres uma perspectiva inédita de ascensão social, contribuindo para consolidar a nova classe média.
Nada disso está explícito nas páginas dos jornais.
Mas tudo isso está subentendido na leitura das notícias que, no varejo de todos os dias, vêm sendo oferecidas aos leitores.
É preciso considerar, evidentemente, que no meio do caminho tem uma pedra, e essa pedra se chama interesse político.
Também se deve levar em conta que essa pedra é colocada diante da teoria otimista pelo próprio governo, com as alianças quase inadministráveis que escolheu para realizar seus propósitos.
Mas o mosaico que se pode enxergar, a certa distância, das medidas que brotaram no meio das turbulências, permite vislumbrar uma boa figura emergindo no final da crise.
Essa é parte da análise que algumas organizações internacionais fazem sobre o Brasil.
Mas isso não está nos jornais.
O reverso da xenofobia
A imprensa brasileira trata de maneira completamente inversa o caso do menino cujo pai americano disputa a guarda com uma família brasileira.
Compare com o caso da advogada supostamente atacada por neo nazistas na Suíça.
Alberto Dines:
– O maior mistério que envolve o caso do menino cujo pai americano quer a sua guarda nada tem a ver com a disputa judicial em si. O que intriga e preocupa é a cortina de silêncio que envolve o caso aqui no Brasil há mais de quatro anos. Este embargo continuou vigorando na imprensa brasileira mesmo depois que a jornalista Dorrit Harazim contou toda a história na edição de Novembro da revista Piauí. Só agora, quando a pressão da mídia americana levou a Secretaria de Estado, Hillary Clinton, a tocar no assunto com o seu colega brasileiro, Celso Amorim, é que a imprensa brasileira finalmente despertou. Mas de forma bastante contida, diga-se. E porque razão a mídia americana trata o assunto com toda a naturalidade e a mídia brasileira o colocou no index de assuntos proibidos? Simplesmente porque o padrasto pertence à aristocracia advocatícia do Rio de Janeiro onde tem um dos maiores escritórios de especializado em direito de família. Quem tem amigos tem tudo e não apenas no Congresso, também nos bastidores da imprensa.
Enquanto no caso da advogada Paula Oliveira, supostamente agredida por neo-nazistas na Suíça, nossa imprensa reagiu afoitamente contra a xenofobia européia, neste caso, os legítimos apelos de um pai biológico americano são simplesmente erradicados do noticiário…porque o padrasto é brasileiro.