O retrato da corrupção
É um marco no nosso jornalismo a reportagem especial da revista Época sobre a corrupção no Brasil.
O trabalho representado por mais de uma centena de entrevistas e a análise de 216 operações realizadas pela Polícia Federal desde 2003, resulta num retrato inédito desse mal que afeta as chances de desenvolvimento do País.
Segundo as estimativas apresentadas pela revista, o Brasil perde todos os anos cerca de 130 bilhões de reais, o equivalente a 5% do Produto Interno Bruto.
Isso quer dizer que a corrupção corresponde a um imposto de 5% sobre toda a riqueza produzida pelos brasileiros, todos os anos.
Um imposto que vai para criminosos instalados na iniciativa privada e no setor público.
Alguns casos analisados pela revista Época indicam que, muito provavelmente, parte desse dinheiro financia políticos que resistem às reformas de que o Brasil necessita.
Pela primeira vez, o leitor tem, numa só reportagem, um resumo dos principais casos de quadrilhas desmanteladas nesse período pela Polícia Federal, quase sempre em parceria com o Ministério Público e a Receita Federal.
Mas também fica sabendo que apenas uma pequena parcela dos acusados, apenas sete de cada centena de suspeitos, vão para a cadeia.
É claro que deve-se levar em conta que uma porcentagem dos acusados é inocente, mas o que a reportagem revela é o aumento da eficiência das investigações e a permanência da incapacidade da Justiça de condenar e manter presos os culpados.
A revista observa que a quase certeza da impunidade é o que alimenta o crime.
A reportagem histórica de Época repete algo que já se sabe há muito tempo: que a Justiça é lenta, despreparada para o volume de julgamentos que é obrigada a fazer, e sujeita a um emaranhado de leis que oferecem uma infinidade de recursos a quem pode pagar advogados espertos.
E também mostra que os concursos para juízes não selecionam magistrados capacitados a lidar com questões de administração e contabilidade, o que os torna vulneráveis a manobras dos acusados, que agem nos meandros da lei.
A leitura da revista deixa no leitor uma sensação de desânimo, como a que deve se produzir no policial cansado de prender criminosos e vê-los liberados na semana seguinte.
Mas também revela que o Brasil pode colocar um fim na impunidade geral: basta repetir no Judiciário a reforma feita na Polícia Federal a partir de 2003.
A imprensa pode cobrar essa reforma. Pode funcionar, se ela aplicar nisso a mesma energia que usa para pedir a redução de impostos e a flexibilização das obrigações trabalhistas das empresas, por exemplo.
Um grande estacionamento
A maior cidade do País está se transformando no maior estacionamento do mundo.
Todos esbravejam contra os congestionamentos do trânsito, mas poucos enxergam a causas.
Nem a imprensa, que ajuda a estimular o crescimento desordenado das nossas metrópoles.
Alberto Dines:
– São Paulo já parou. A Folha de S.Paulo acionou os alarmes na primeira página e no editorial de ontem, domingo (16/03): os engarrafamentos na cidade agora começam na garagem. A advertência deveria ter sido feita em meados do ano passado quando este ‘Observatório da Imprensa’ denunciou insistentemente a pletora de anúncios com lançamentos imobiliários sem qualquer acompanhamento sobre os efeitos que teriam sobre o trânsito. Agora é tarde. Os apartamentos foram vendidos, em muitos casos as obras já estão adiantadas. Tanto o Estado de S.Paulo como a Folha só se preocupavam com o formidável faturamento publicitário, qualquer reportagem que soasse como desestímulo à compra de imóveis novos seria vetada pelo departamento comercial. Nos cadernos locais, as reportagens louvavam o novo modismo dos edifícios-parque, dos condomínios-academia de ginástica. Os anúncios não mostravam plantas dos apartamentos nem das ruas apertadas onde se situavam. Interessava apenas mostrar gente bonita e gente feliz curtindo a vida sem se importar com os carros que dentro de meses ficarão entalados nas próprias garagens. Chegou a hora da verdade. Quem pagará pela propaganda enganosa? O anunciante ou o jornal que a veiculou?