O retrato das contradições
O lucro extraordinário do Banco do Brasil, de mais de R$ 10 bilhões, em 2009, e o constrangimento do presidente Lula da Silva em Cuba, dividem as atenções dos leitores nesta sexta-feira com a novela do “mensalão” no Distrito Federal.
Esse mosaico representa bem o país que aparece nos jornais todos os dias, mas oferece mais perguntas do que respostas para aqueles que ainda se questionam: que país é este?
O resultado do balanço do Banco do Brasil, segundo a imprensa, mostra que o governo acertou ao combater a crise financeira com a força do Estado.
No final de 2008, diante dos primeiros sinais de que os bancos privados estavam assustados com a quebradeira em Wall Street e iriam restringir o crédito, o governo decidiu reforçar o banco estatal, ampliando o crédito, adquirindo outras instituições e visando a nova classe média ascendente.
Os relatos da imprensa indicam que o Banco do Brasil conseguiu retomar o primeiro lugar, voltando a ser a maior instituição brasileira do setor, e ao mesmo tempo funcionou como amortecedor da crise, o que fez com que a banca privada também entrasse no jogo, ampliando o crédito.
A má sorte do presidente Lula da Silva, de estar em Havana exatamente no dia em que morreu o dissidente Orlando Zapata Tamayo, compete pela manchete com o balanço do Banco do Brasil.
Além de ter que se manifestar sobre assunto interno cubano, estando na condição de visitante, Lula se viu obrigado a explicar algumas contradições da diplomacia brasileira, que demonstrou enorme protagonismo no episódio do golpe de Estado em Honduras e se omite diante da repressão política em Cuba.
O noticiário desta sexta-feira se completa com a tentativa do governador licenciado do Distrito Federal, de ser libertado da cadeia com a promessa de não voltar ao cargo.
Nas palavras de seu advogado, José Roberto Arruda está tão “ressentido” que poderia até abandonar a carreira política.
Entre a patética “ameaça” do governador apanhado com a mão na boca da botija, o constrangimento internacional do presidente que até ontem era “o cara”, e a exuberância da economia nacional, os jornais pintam o retrato dessa grande complexidade chamada Brasil: o país que ainda tem que conviver com quadrilhas rastaqueras na política, que se deixam filmar com dinheiro nas meias, é o mesmo que emerge da crise como destaque na economia mundial mas não consegue usar sua liderança para exercer alguma influência em favor dos direitos humanos no continente.
A pergunta que fica nas entrelinhas: até onde o Brasil pode ir, arrastando essas contradições insustentáveis?
O ano que mal começa
Alberto Dines:
– Foi desastrosa e reveladora a declaração do líder cubano Raúl Castro aos repórteres que acompanham o presidente Lula a Cuba. Embora a greve de fome que levou à morte do dissidente Orlando Zapata tivesse começado há 85 dias e o seu estado de saúde tivesse se agravado há 10 dias, o sucessor de Fidel não esperava que o desenlace pudesse coincidir com a vista do presidente brasileiro acompanhado por uma comitiva de jornalistas de Brasília. Geralmente tranqüilo, desta vez Raúl Castro parecia nervoso e estressado. Nem esperou pelas perguntas, foi logo falando e meteu os pés pelas mãos. Culpou o embargo imposto pelos Estados Unidos, esquecido de que dias antes haviam começado as negociações diretas entre os dois países. E sequer recorreu ao bordão de que Cuba goza de ampla liberdade; ao contrário, admitiu claramente a censura ao afirmar que “aqui não há máxima liberdade de expressão, mas se os Estados Unidos nos deixarem em paz, poderá haver.” E não contente investiu indiretamente contra os jornais ali representados condenando aquela imprensa que “só publica o que os donos querem”. O presidente Lula é um sortudo e, além disso, sabe melhor do que ninguém como reverter uma situação incômoda. Desta vez, porém, também ele foi envolvido pela maré negativa produzida pela morte do dissidente cubano. Prova disso foi o áspero editorial publicado ontem pelo importante diário espanhol El País criticando nosso governo pela condescendência com que trata o regime cubano, principalmente na área dos direitos humanos. O jornal acrescenta que o episódio representa um teste decisivo para o presidente brasileiro. Se o ano no Brasil só começa depois do Carnaval, este 2010 anuncia-se cheio de surpresas.