O tempo irreal da notícia
A prisão do banqueiro Daniel Dantas, do especulador Naji Nahas e do ex-prefeito Celso Pitta pode ser considerada a mais surpreendente ação da Polícia Federal em todos os tempos.
E a imprensa brasileira, embora apanhada de surpresa, teve todas as condições para realizar a mais memorável cobertura de um escândalo.
A informação apareceu inicialmente na revista eletrônica Terra Magazine, ainda antes das 7h00 da manhã de ontem.
Uma hora depois, os demais veículos começaram a despertar.
Reproduções quase literais do texto original brotaram em seqüência, mas apenas o Último Segundo citou o Terra Magazine entre suas fontes.
Os sites dos grandes jornais perderam para os veículos exclusivamente online.
O mais ágil entre os jornais foi o G1, do Grupo Globo, mas ainda assim sem acrescentar novos dados.
Durante o dia, a TV Globo exibiria imagens da operação policial, revelando ter sido convidada a acompanhar as prisões.
Ou os editores não entenderam do que se tratava, ou o Grupo Globo anda com sérios problemas de sinergia.
A reprodução pura e simples do trabalho alheio – quase sempre sem citar a fonte – revela certo vício da produção jornalística no Brasil: importa sair na frente, ou pelo menos com o menor atraso possível.
A chamada notícia em tempo real, alardeada pelos sites dos jornais, comumente não é baseada em trabalho jornalístico real.
De qualquer maneira, o que se seguiu durante o dia é uma cobertura da qual a imprensa brasileira pode se orgulhar.
O pai de todos os casos
A prisão do controverso banqueiro e do notório aventureiro libanês abre para a Justiça e, por extensão, para a imprensa brasileira, a oportunidade de fazer história.
A julgar pelo que os jornais apresentam hoje, Daniel Dantas é elemento importante para entender os mais controversos casos de corrupção publicados nos últimos anos.
Ele já foi citado no escândalo chamado de ‘mensalão’, ocorrido no atual governo, e nas denúncias de irregularidades nas privatizações do governo Fernando Henrique.
Também é tido como corruptor de agentes públicos.
A considerar o noticiário de hoje, o ex-prefeito Celso Pitta é apanhado na operação na qualidade de cliente do sistema de remessa ilegal de dinheiro para o exterior.
Mas não custa a imprensa refrescar a memória do leitor – e eleitor – para o que foi o longo período em que ele dividiu o poder e sucedeu seu mentor, o também ex-prefeito Paulo Maluf.
A operação policial vai remexer também na história recente das telecomunicações no Brasil, quando grandes investidores internacionais começaram a se engalfinhar pela aquisição das estatais do setor.
Muito se disse, muito se insinuou desde então, mas curiosamente a imprensa nunca se interessou em avançar na investigação sobre o que aconteceu realmente no processo de distribuição do patrimônio público e na reorganização do sistema.
O banqueiro Daniel Dantas e o aventureiro Naji Nahas estão na cadeia.
O ex-banqueiro Salvatore Cacciola está chegando, com sua bagagem cheia de histórias sobre o escândalo que envolveu a quebra dos bancos Marka e Fontecindam.
A Polícia Federal está fazendo seu trabalho.
Com algum estardalhaço, é verdade, mas certamente poucos brasileiros estão se sentindo ofendidos com a imagem de certas figuras algemadas.
A imprensa precisa agora trabalhar duro, para manter os holofotes acesos e evitar que o caso saia de cena, como aconteceu muitas vezes.
O Brasil está passando a limpo algumas de suas mazelas.
A imprensa precisa cobrir essa faxina.