Omissão e preconceito
O tema que atravessou a semana, mesmo com o terremoto no Chile e o tsunami político que devastou o Partido Democratas em Brasília, é a questão do tamanho do Estado e seu papel na economia.
Os jornais colocaram o tema na agenda a partir do anúncio de que o governo federal pretende reativar a Telebrás para usá-la no Programa Nacional de Banda Larga.
Também chapiscaram seu discurso contra o poder do Estado nos comentários sobre o programa do Partido dos Trabalhadores, classificado como “radical” por quase toda a imprensa.
Na edição que circula nesta semana, a revista Veja requenta o assunto, introduzindo perguntas sobre o papel do Estado na entrevista com o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine.
A revista de maior circulação do País tenta lidar com a aparente contradição – para os valores que costuma defender – do fato de que o banco estatal cumpriu papel fundamental na defesa da economia brasileira contra a crise financeira internacional.
Raros representantes da chamada grande imprensa oferecem a seus leitores um debate minimamente inteligente sobre o tamanho do Estado e suas funções na economia de um país.
Mas com certeza nenhuma publicação se apresentou tão tosca quanto a revista Época.
Utilizando como metáfora a figura dos mortos que retornam das sombras para aterrorizar os vivos, a revista do grupo Globo compara a Telebrás ao personagem Freddy Krueger, dos filmes de terror, afirmando que a estatal ameaça voltar do além-túmulo para assombrar o setor de telecomunicações.
Época também cita a acusação de que o lobista e ex-ministro José Dirceu teria tentado beneficiar um cliente no Programa Nacional de Banda Larga, afirmando que o episódio expõe “o lado nebuloso” do discurso a favor do Estado forte.
Nebuloso é o papel que a imprensa vem fazendo, ao ignorar o fato de que foram os recursos do Estado, e não da iniciativa privada, que protegeram a economia nacional na crise financeira de 2008 e 2009. Também nos Estados Unidos e outros países ricos, foi a mão do Estado que combateu a crise.
Da mesma forma, foram políticas públicas, de iniciativa federal e, em muitos casos, de iniciativa de governadores de Estados, e não ações empresariais, que promoveram o resgate de milhões de brasileiros da miséria nos últimos anos.
Na contramão da chamada grande imprensa, a revista Carta Capital lembra, muito apropriadamente, que rejeitar o papel do Estado na economia é renegar a própria história do capitalismo brasileiro.
CSN, Embraer, Petrobrás e outras empresas que ajudaram a fundar o Brasil moderno nasceram de iniciativas estatais.
O tema é, portanto, muito mais complexo e o leitor merece mais do que isso que a maioria da imprensa vem oferecendo.
A serviço da indústria
Alberto Dines:
– A mídia brasileira deu pouco destaque ao pedido de desculpas apresentado pelo presidente mundial da Toyota, Akio Toyoda, na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos na semana passada. A imprensa americana, embora muito mais atenta e afirmativa, não levou adiante algumas questões fundamentais mencionadas pelo neto do fundador da multinacional. Encurralado pelos representantes do Partido Democrata, Toyoda admitiu que a montadora detectara mais de um ano antes os defeitos nos pedais dos freios dos carros fabricados na Europa e não avisou as subsidiárias de outros continentes. Confessou alto e bom som que a companhia apostou todas as fichas na quantidade e descurou da segurança de seus produtos e também reconheceu que a Toyota preferiu pequenos “recalls” e assim evitar maior fiscalização dos órgãos governamentais. No momento em que o mundo discute a necessidade de Estados fortes para enfrentar calamidades e debacles, a mídia americana, assim como todas as que nela se inspiram cegamente, desperdiça um episódio revelador que confirma a necessidade de um Estado fiscalizador para coibir os desmandos e desvarios da iniciativa privada. O caso Toyota é duplamente paradigmático: mostrou – como já foi dito neste Observatório – que a imprensa especializada em automóveis está a serviço da indústria, não do consumidor e mostrou também que a cobertura do mundo de negócios está comprometida pelos preconceitos da mídia contra a presença do Estado. Em ambos os casos, a mídia serve aos próprios interesses como indústria, esquecida do seu papel institucional, cívico, em defesa da sociedade. Explica-se assim porque, de repente, Barack Obama deixou de ser o queridinho da mídia: está apertando o mercado financeiro e insiste num Estado mais presente no sistema de saúde.