Organizar a falação
A troca de comando no Ministério da Defesa muda o eixo das discussões sobre o maior desastre da aviação comercial no Brasil. Mas não esconde a gravidade da situação.
Fala, Alberto Dines.
Alberto Dines:
Ao longo de dez meses imperou o silêncio, a omissão ou, então, a dissimulação. Cada fase do apagão aéreo foi acompanhada de diferentes cortinas de fumaça. Agora, uma semana depois da catástrofe, todos começaram a falar ao mesmo tempo e na direção contrária do que antes davam a entender. A mídia aceitou aquela inação, aquele mutismo e a mistificação, mas agora cabe a ela organizar esta falação desenfreada para extrair conclusões e fazer necessárias cobranças. Em apenas dois dias chegou-se a uma unanimidade que em outubro passado seria impensável. Todos, inclusive o presidente Lula, admitem que há sim, uma crise aérea. Trata-se de um avanço extraordinário já que nas diferentes fases do processo iniciado em 29 de setembro passado nenhuma autoridade, civil ou militar, ousou admitir que atrás das tragédias escondia-se uma enorme pane sistêmica em nosso transporte aéreo. O brigadeiro Jorge Kersul Filho ontem, mais uma vez, colocou o dedo na ferida ao declarar que o acidente com o Airbus da TAM foi ‘resultado da incompetência dos órgãos que administram o setor aéreo’. Este atestado de incompetência firmado pela maior autoridade em prevenção de acidentes comprova que a imprensa, pelo menos neste episódio, não está sendo sensacionalista como pretendem alguns círculos mais radicais do PT. Ao contrário: graças à pressão da sociedade horrorizada com o que viu, ouviu e leu, as autoridades foram obrigadas a reconhecer a gravidade da situação e, afinal, tomaram as providências cabíveis. Providências que poderiam ter evitado a segunda tragédia e, certamente, poderão prevenir uma terceira.
Luciano Martins:
Jobim domina a cena
O novo ministro da Defesa, Nélson Jobim, parece ter caido nas graças da imprensa. Em sua segunda manifestação pública, na cerimônia de transmissão do cargo, conquistou espaços nobres.
Anunciou que vai visitar hoje o IML em São Paulo, afirmou que a segurança será prioridade, mesmo em detrimento da pontualidade, e ameaçou investigar as responsabilidades pelos problemas no setor.
E ainda teve fôlego para criticar a oposição, por supostamente haver aproveitado a tragédia para criticar o governo.
Tarso interfere
O ministro da Justiça, o petista Tarso Genro, resolveu que Jobim não vai monopolizar as atenções da imprensa. Logo após a posse do novo ministro da Defesa, que é filiado ao PMDB, o titular da Justiça mandou a Polícia Federal fiscalizar as empresas aéreas. A justificativa é que a Agência Nacional de Aviação Civil não estaria garantindo os direitos dos passageiros. Como as causas do acidente do Airbus, suas razões podem ser muitas.
Pepino cozido
O Globo foi o único dos grandes jornais e destacar em manchete a falta de sintonia entre os dois ministros, que são concorrentes políticos no Rio Grande do Sul.
‘Jobim assume e Tarso agora manda investigar aeroportos’, diz a manchete.
O Globo também chama a atenção para lição de filosofia e de inovação culinária do brigadeiro José Carlos Pereira, otimista apesar de todos os sinais de que perderia o cargo de diretor da Infraero: ‘Os pepinos são parte da vida. O importante não é o pepino, é saber lidar com o pepino, cozinhá-lo, cortá-lo corretamente, ter inteligência e, principalmente, calma para se trabalhar com o pepino’, ensinou o brigadeiro.
Campanha nas ruas
A iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil, apoiada por outras entidades e grandes empresas, ganhou amplos espaços na imprensa nesta sexta-feira. E rendeu anúncio de meia página nos jornais.
Trata-se do movimento Cansei, que se anuncia como uma ação contra a impunidade, cujos organizadores juram não ter nada a ver com política. Entre os cartazes vistos no lançamento da campanha, havia até mesmo um que dizia: ‘Chega de empresários corruptores’.
Bordel sob risco
O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, encontrou uma janela para o noticiário sobre a crise no setor de aviação civil: mandou interditar o bordel de onze andares construído perto do aeroporto de Congonhas. A construção, erguida com base em informações falsas fornecidas à prefeitura e ao Ministério da Aeronáutica, é considerada fator de risco para as operações do aeroporto.
A imprensa chama o bordel de hotel, embora o próprio dono do negócio, o psicólogo Oscar Maroni Filho, nunca tenha feito questão de dissimular o ramo do seu comércio.
Empreendedor por excelência, Maroni já foi parceiro do governo paulista em outra iniciativa. Ele promoveu no ano passado campeonatos de lutas entre mulheres, com apoio da Secretaria da Infância e da Juventude, Esporte e Lazer. Mas esses antecedentes não estão nos jornais de hoje.
Ontem, diante do prefeito Kassab, que foi pessoalmente acompanhar a lacração do prédio, Maroni convidou os jornalistas para a inauguração do seu empreendimento, daqui a quatro meses. Quando lhe perguntaram sobre o lacre, respondeu: ‘Isso a gente tira em três dias’.
O dono do bordel quer agora um programa de televisão e um mandato de deputado. Ele considera que faz todo sentido.
Susto no mercado
Apenas a Folha de S. Paulo, entre os grandes jornais de interesse geral, escolheu para manchete o pânico no mercado mundial, causada pelo risco de inadimplência nas hipotecas americanas. A manchete da Folha nacionaliza o solavanco, destacando o aumento do risco-país. Os dois principais jornais especializados, Gazeta Mercantil e Valor Econômico, que já vinham alertando seus leitores para essa possibilidade, foram mais cautelosos.
Rotina no Rio
Os jornais celebram a vitória da seleção feminina de futebol, e destacam a oportunidade que as moças criaram para valorizar o esporte, completamente abandonado no Brasil. Mas ainda não foi desta vez que superamos Cuba em número de medalhas.
Mas no meio das comemorações, o Globo levanta o tapete da cidade e revela que, durante os Jogos Panamericanos, um grupo de policiais aproveitava a grande presença de turistas para aumentar seus rendimenos.
A imprensa também noticia que a Promotoria de Defesa do Consumidor do Ministério Público fluminense vai investigar uma contradição misteriosa: por que os estádios aparecem quase vazios em competições para as quais os ingressos estão esgotados.
Em alguns casos, como na semifinal entre Brasil e Cuba no basquetebol feminino, a análise das imagens da televisão, segundo o Globo, mostra que o público ocupava apenas dez por cento dos lugares ocupados. Os organizadores prometem explicar. A promotoria só quer entender.