Os galhos de Sarney
Nesta sexta-feira em que o senador José Sarney adota em sua coluna semanal na Folha de S.Paulo sua porção escritor e rejeita sua persona política, o jornal onde pratica suas digressões também se esforça para jogar a responsabilidade pelos escandalosos atos secretos no colo dos diretores do Senado.
Esforço vão.
Assim como nenhum leitor em plena sanidade vai desvincular o intelectual – como Sarney pretende ser reconhecido – do político desonesto que se comprova ser, não se pode mais dissimular que a Folha tem o rabo preso com o presidente do Senado.
A causa de tamanha, digamos, flexibilidade ética por parte do jornal apenas a direção do jornal poderia esclarecer.
Se entendesse que deve prestar contas a seus leitores, claro.
Enquanto isso, no outro lado da capital paulista, o concorrente Estadão segue liderando a imprensa nacional na tarefa de deslindar o emaranhado de podres poderes que se instalou no Congresso Nacional.
Ainda mais distante, da redação do Globo no Rio vem outro pacote de revelações ainda mais alarmantes sobre os métodos de gestão da coisa pública implantados pelo intelectual José Sarney em seu protagonismo parlamentar.
A reportagem do Globo revela que o Senado Federal criou um sistema de distribuição de benefícios financeiros indicando apadrinhados para comissões especiais, a maioria sobre temas irrelevantes, inclusive com nomeações retroativas.
Segundo o Globo, essa máquina de gratificações é um dos mistérios que se escondem sob a prática dos atos administrativos secretos.
O fio da meada do escândalo, estendido na edição desta sexta do Estadão, enrola ainda mais o senador José Sarney.
O desenho publicado pelo jornal, mostrando a árvore “genealógica” dos parentes e amigos nomeados ou privilegiados por Sarney cresce como uma enorme galhada sobre a cabeça do senador.
Curiosamente, a imagem lembra a figura de Alcindo, o cornudo, personagem de história em quadrinhos publicada pela Folha.
O preço da omissão
Alberto Dines:
– Convém prestar a atenção a estas frases, escritas em bom português há 200 anos. “O indivíduo que abrange o bem geral de uma sociedade vem a ser o membro mais distinto dela. As luzes que espalha tiram das trevas ou da ilusão aqueles que a ignorância precipitou no labirinto da apatia, da inépcia e do engano. Ninguém mais útil do que aquele que se destina a mostrar com evidência os acontecimentos do presente e desenvolver as sombras do futuro. Tal tem sido o trabalho dos redatores das folhas públicas.”
Explica-se: redatores das folhas públicas são os jornalistas e quem escreveu esta profissão de fé do jornalismo brasileiro foi o seu patrono, Hipólito da Costa, em 1808. Os oito ministros do STF que na quarta-feira declararam extinta a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo não o reconhecem como profissão específica porque desconhecem este texto lapidar. E o desconhecem porque nunca foi publicado num grande jornal.
No ano passado, quando deveríamos rememorar e festejar juntos os 200 anos da fundação de uma imprensa livre, sem censura, os senhores de engenho da informação embargaram nossa festa. O seqüestro de tão importante página de nossa história foi, porventura, perpetrado pelos diplomados em jornalismo? A camisa de força foi imposta à nossa sociedade pelos jornalistas que acreditam na especificidade da sua profissão? O Chefe do Executivo novamente acusou a imprensa de denuncista. Seu aliado, o Chefe do Legislativo, denuncia os “setores radicais da mídia” como responsáveis por desvendar a clandestinidade e a ilegalidade que imperam no Senado. E o Chefe do Judiciário compara jornalistas a… chefes de cozinha.
Na Dinamarca havia algo de podre, no Brasil estamos apenas diante de uma formidável sucessão de equívocos.