Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>Para entender o Brasil
>>Falta transparência

Para entender o Brasil


Afogada nos acontecimentos do dia a dia e limitada pela própria natureza do material de que é feita, a imprensa tradicional abandonou na duas últimas décadas a prática das grandes reportagens, aquelas que ajudam o público a compreender melhor certos temas complexos.


Junto com a reforma que transformou jornais e revistas em coleções de notas curtas e relatos apressados, veio a perda da capacidade de oferecer reflexões de maior alcance e de refletir o pensamento de grandes camadas da população.


Enfim, a imprensa vem parecendo menos relevante por se tornar cada menos representativa da sociedade.
Eventualmente, mas ainda raramente, uma publicação se dispõe a penetrar em determinado tema e oferecer aos seus leitores algo mais do que o escândalo da semana ou declarações de seus personagens prediletos.


É o que faz nesta semana a revista Época com a reportagem sobre pesquisa realizada pela ONU com quinhentos mil brasileiros nos últimos seis meses.


O resultado é um mapa para compreender a visão da sociedade sobre seus próprios problemas e as expectativas da população a respeito das prioridades que deveriam ser dadas nas políticas públicas.

A reportagem é importante não apenas pelas respostas, que apontam a preocupação dos brasileiros com a construção de uma sociedade mais justa e ética, mas por chamar a atenção para o erro que significa avaliar o desenvolvimento de um país apenas pela evolução do seu Produto Interno Bruto.


Ao contrário do que normalmente se revela nas consultas apressadas à opinião pública, nas quais aparecem com mais destaque os problemas circunstanciais, a pesquisa da ONU ressalta que os brasileiros se preocupam em primeiro lugar com a educação e apontam como causas das mazelas nacionais a falta de valores, a corrupção e a desigualdade.

Está aí um ponto de partida interessante para uma nova agenda nacional, que poderia ser assumida pela imprensa: em vez de dar tanta importância às picuinhas da política, aos escândalos do dia e a indicadores isolados de desenvolvimento, bem que se poderia propor uma pauta mais ambiciosa, da qual pudessem resultar reportagens sobre os problemas reais do País e as reformas estruturais que podem conduzir a soluções.


Quando quer, a imprensa pode entender o Brasil.

Falta transparência


Alberto Dines:


– A Lei de Acesso às Informações começou mal: seu pomposo lançamento na quarta-feira passada foi truncado – o governo apresentou um pacote com outras medidas, confundiu a imprensa e a imprensa deixou-se confundir.


Como de hábito. Passados cinco dias, o cidadão brasileiro continua desinformado sobre a lei que deveria garantir a obtenção de informações sobre  o uso do dinheiro dos seus impostos. Fomos convencidos a acreditar que entramos na Era da Transparência, mas na realidade continuamos no mundo da opacidade.


O Estado de S. Paulo protestou contra o despistamento promovido pelo governo em editorial na sexta-feira; a Folha, ao invés de cobrar detalhes, deu voz ao ministro Jorge Hage, o único que está feliz porque a sua Controladoria Geral da União continua encarregada de fiscalizar os gastos públicos.


Ora, a CGU é governo, portanto parte interessada e transparência pressupõe  autonomia, soberania. O certo seria encaminhar as denúncias oriundas da sociedade a uma agência independente.


A idéia de uma Lei de Acesso à Informação como existe em outros países, inclusive na América Latina, pressupõe o acesso universal a uma grande base de dados e um sistema capaz de receber as queixas, examiná-las e  prontamente punir os responsáveis pelos abusos.


A imprensa seria a grande beneficiária de um acesso efetivo às informações sobre gastos porque toda a sociedade funcionaria como uma gigantesca equipe de repórteres investigativos a seu serviço.


A lei foi prometida pelo governo num evento organizado por entidades jornalísticas em Brasília e, curiosamente, a imprensa até hoje não se mexeu. Está armado o circo da transparência e a mídia ainda não fez o seu número. Os vexames no Congresso continuam em cartaz.