Para melhorar a pauta
Os jornais noticiam hoje que o governo não conseguiu quórum para seguir votando a nova contribuição financeira com a qual pretende substituir a CPMF, extinta no ano passado.
Muitos senadores se ausentaram para ir a Belo Horizonte assistir o jogo de futebol entre Brasil e Argentina.
Na semana que vem, a previsão é de que outros parlamentares voem para o nordeste.
Justificadamente, pois suas presenças são essencias nos tradicionais festejos de São João.
Depois disso, vêm as convenções municipais para escolha de candidatos a prefeito.
Em seguida, abrem-se as campanhas eleitorais.
Os jornais já podem tirar o assunto da pauta.
Mas poderiam colocar no lugar um debate mais proveitoso sobre a reforma tributária.
Uma decisão judicial manda tirar as tropas do Exército das favelas do Rio e substituir os militares pela Força Nacional de Segurança Pública.
A medida se segue aos protestos pela participação de onze militares do Exército na tortura e assassinato de três jovens moradores do Morro da Providência.
Os jovens foram entregues a traficantes e executados.
Como sempre acontece no noticiário sobre a violência provocada por traficantes e milicianos nas favelas cariocas, a retirada dos militares deve devolver a comunidade à tirania rotineira dos criminosos e o assunto também deve adormecer por uns tempos.
Boa oportunidade para a imprensa investir no caso do envolvimento de políticos e policiais ligados ao ex-governador Anthony Garotinho e tentar avançar no esclarecimento dos motivos pelos quais o Estado não consegue impor sua autoridade nessas comunidades seqüestradas pelo crime organizado.
Os jornais voltam a criticar a decisão judicial de multar a Folha de S.Paulo e a Editora Abril, proprietária da revista Veja São Paulo, por causa de entrevistas com a ex-prefeita e ex-ministra Marta Suplicy, anunciada candidata à prefeitura.
O noticiário começa a revelar que o ataque à liberdade de imprensa partiu de três procuradoras eleitorais recentemente nomeadas para a função, cuja indicação é agora contestada pelo Conselho Superior do Ministério Público Estadual.
Com isso, é provável que não ocorram novas punições a jornais e revistas por conta de entrevistas com os demais candidatos.
Mesmo que isso ocorra, a imprensa não deveria deixar o assunto de lado.
A possibilidade de que a Justiça Eleitoral esteja sendo loteada em função de preferências partidárias não é um absurdo.
Está aí uma boa pauta para ser desenvolvida antes que a campanha comece de verdade.
E, junto com esse assunto, os jornais precisam manter os olhos bem abertos para a qualificação dos cidadãos que pedem o registro de suas candidaturas.
Não vai dar muito trabalho: basta acessar o site da Associação dos Magistrados Brasileiros, que vai publicar a lista dos processos a que respondem todos os candidatos: www.amb.com.br.
A imprensa de chuteiras
A fotografia do técnico Dunga, sentado solitariamente numa grade à beira do campo, publicada hoje na primeira página do Globo, é a senha: a seleção brasileira deve trocar o comando do time.
O título da reportagem sobre o jogo contra a Argentina, no alto da página, soa como epitáfio: ‘Uma campanha de envergonhar’.
Na pátria de chuteiras, mais uma vez a imprensa entra em campo, como os ‘cartolas’ dos velhos tempos, para mudar o jogo.
Até a semana passada, na véspera da partida contra o Peru, a seleção brasileira ainda era motivo de entusiasmo por parte dos cronistas esportivos, apesar dos desempenhos medíocres na vitória apertada contra o Canadá e na derrota para os venezuelanos, em jogos amistosos.
Em apenas quatro dias, Dunga passa de herói a vilão e em breve deve voltar ao ostracismo.
A se considerar o que dizem os jornais de hoje, provavelmente ainda nesta semana ele voltará a ser o cidadão Carlos Caetano Bledorn Verri.
Fica para os observadores a reflexão sobre a esquizofrênica relação da nossa imprensa com o mundo do futebol, e em especial com a seleção, representação da pátria entre as quatro linhas do gramado.
Acostumado aos triunfos, os brasileiros não admitem uma equipe que seja menos do que excelente.
Mas uma coisa é a massa entusiasmada ou enfurecida, e outra coisa deveriam ser os profissionais encarregados de noticiar os feitos da seleção.
Quando a seleção vai mal, a imprensa investiga os bastidores dos clubes, questiona os desmandos na Confederação Brasileira de Futebol, exige o resgate da moralidade.
Mas basta uma vitória para que tudo seja esquecido.
Tem sido assim desde a primeira tentativa do Ministério Público de investigar dirigentes de clubes esportivos e da seleção.
Criou-se a CPI, mas seu andamento fica suspenso para não atrapalhar os planos do Brasil de se apresentar como sede da Copa do Mundo de 2014.
Levantaram-se suspeitas e provas contra dirigentes, mas tudo fica engavetado quando o time entra em campo.
Mais ou menos como acontece na política e na economia: a cada eleição, os holofotes só iluminam os candidatos, e a necessidade da reforma institucional fica na obscuridade.
Os bons resultados econômicos adiam os debates sobre a falta de uma estratégia sustentável de desenvolvimento, e arrastamos indefinidamente o sistema predador e incapaz de produzir o resgate da dívida social.
Assim como os bons resultados em campo escondem as mazelas do futebol brasileiro, a imprensa só enxerga o Brasil real na derrota.