Para que servem as fontes?
A revista Exame trazia na capa, na semana passada, a seguinte pergunta: ‘Afinal, para que servem os analistas?’
A questão deve estar na cabeça de muitos editores, e tem freqüentado algumas colunas de boa reputação nos jornais de circulação nacional.
Quase por coincidência, essa edição de Exame chegou às mãos dos leitores exatamente um ano depois da última de quatro publicações com as quais a revista comemorou seus 40 anos de existência. ‘Como o mundo realmente funciona’, anunciava a edição especial.
Era um tratado ambicioso sobre o triunfo da globalização e, a despeito de uma ou outra referência ao risco de instabilidades, todo o trabalho jornalístico induzia o leitor a imaginar um oceano de pujança econômica pelo futuro afora.
Na edição com que encerrou o mês de novembro passado, aquela que é considerada a maior e mais prestigiosa revista de negócios do País se pergunta para que servem as fontes de suas informações.
‘Milhões perderam seu dinheiro seguindo o conselho de economistas, gurus, magos e profetas – ninguém viu o tamanho da crise que abala o mundo’, denuncia Exame, numa colocação corajosa que desafia suas próprias fontes.
– Ninguém, nem mesmo a ‘maior e mais prestigiosa revista de negócios do País’.
Hoje os jornais balançam entre a euforia pelo bom momento da Bolsa no dia de ontem e o temor das oscilações que ainda sacodem o mercado de capitais.
No entanto, estão lá, em suas páginas, os mesmos economistas-chefes dos bancos de investimento, os mesmos ex-diretores do Banco Central e ex-ocupantes de cargos públicos transformados em consultores, deitando regra sobre o que os cidadãos devem fazer para proteger seus patrimônios.
A observação dos cadernos de negócios da chamada grande imprensa permite constatar que cerca de 70% das fontes – os chamados analistas ou gurus da economia – são comuns a todos os jornais, ou seja, as mesmas fontes que foram incapazes de enxergar a crise no horizonte seguem dominando o mercado de palpites.
Mas os analistas não erraram sozinhos.
Eles produzem milhares de relatórios para seus clientes, mas a imprensa não é obrigada a confiar neles.
A propósito, na edição com que pretendeu fazer história, Exame trazia uma reportagem sobre o campeão de rentabilidade da
Bolsa de Valores, o fundo Geração FIA, que havia rendido 945% em quatro anos, mais do que o dobro do índice Bovespa.
O herói do ano passado termina 2008 com uma perda acumulada de quase 60%.
Encarando a História
Os quarenta anos do Ato Institucional número 5 dão à imprensa a oportunidade de contar a história da censura.
E da auto-censura.
Alberto Dines:
– A censura ao Estadão começou no dia 12 de Dezembro de 1968, à meia-noite, em seguida à notícia de que a Câmara Federal rejeitara a licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves. A censura, portanto, antecedeu a promulgação do AI-5.
Àquela altura os militares já haviam esquecido a valiosa ajuda da imprensa na convocação da sociedade para derrubar o governo de João Goulart e preocupavam-se com os sinais de rebeldia dos principais jornais, como as críticas à candidatura do general Costa e Silva e a extensa cobertura das manifestações estudantis.
Por essa razão, com base no Ato Institucional Nº 5 promulgado no início da noite do dia 13 de Dezembro, começava a censura prévia no Estadão, com a chegada de funcionários civis da Divisão de Diversões Públicas da Secretaria de Segurança do Estado de S. Paulo e no Rio de Janeiro, com a entrada na redação do Jornal do Brasil de cinco oficiais do exército fardados (aparentemente desarmados). Começava um dos mais penosos períodos da imprensa brasileira. Houve resistência mas também houve desistência. Houve censura prévia mas também houve auto-censura.
O balanço deste período é complicado porque parte da grande imprensa hoje não se sente muito à vontade para rever seus procedimentos no passado. O único dos grandes jornais que resolveu contar a sua história nos anos de chumbo foi o Estadão mas sob a forma de livro a ser lançado na próxima segunda-feira.
Veremos o que os jornais e revistas dos próximos dias vão oferecer aos seus leitores e à posteridade. Uma coisa é certa: não deverão divergir nem brigar. Mas serão obrigados a adotar posturas contrastantes. Caso contrário estarão traindo a História e suas histórias.