Passagem de volta
Os jornais brasileiros reagiram com cautela à deportação indiscriminada de brasileiros por autoridades espanholas.
Apesar de o embaixador espanhol no Brasil, Ricardo Peidró, ter se queixado que o problema diplomático estaria sendo superdimensionado pela imprensa, o fato é que as reações da mídia nacional têm sido até comedidas.
Dos principais jornais brasileiros, apenas O Globo afirma, em manchete, que ‘Expulsão de brasileiros abre crise com Espanha’.
Não consta, por exemplo, qualquer cogitação de medidas recíprocas que venham a incomodar o fluxo de capitais entre a Espanha e o Brasil.
O tom da crise foi dado pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao considerar que os espanhóis não podem ‘comer o bolo todo, o tempo inteiro’.
Ele estava se referindo ao fato de que a Espanha é o segundo maior investidor no Brasil, com cerca de 1 bilhão e 600 milhões de dólares aplicados até agosto de 2007, observando que o tratamento dado aos brasileiros é incompatível com as relações de negócios entre os dois países.
O ministro adiantou que qualquer mudança de atitude do Brasil com relação ao tratamento de viajantes internacionais vai se aplicar a toda a União Européia, e não apenas à Espanha.
Os espanhóis são os novos-ricos da Europa, têm eleições gerais neste domingo, e a questão da imigração tem freqüentado os debates eleitorais.
Ainda nesta semana, a imprensa internacional refletiu preocupações de autoridades européias com o aumento do racismo e da xenofobia na Espanha.
Empresas espanholas têm sido acusadas de comportamento arrogante na América Latina, o que já motivou preocupações na embaixada espanhola em Brasília.
O recente episódio do ‘porque no te callas?’, entre o rei da Espanha e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, não ajudou a mudar essa imagem de arrogância.
A chancelaria espanhola afirma que a decisão de deportar brasileiros foi da polícia aeroportuária, e não o resultado de uma política oficial.
Os jornais informam que as mulheres são mais visadas, por causa do grande número de prostitutas brasileiras na Europa.
A imprensa não faz relação entre um fato e outro, mas a ação da Polícia Federal do Brasil contra o tráfico de mulheres é chamada de ‘Operação Madri’, porque os aliciadores são quase todos espanhóis.
Ontem, segundo o Globo, a Polícia Federal mandou de volta oito espanhóis que tentavam desembarcar em Salvador.
A imprensa brasileira poderia aproveitar o tema e cobrar do governo uma ação mais efetiva contra o turismo sexual de europeus, que campeia nas praias do Nordeste.
Caso encerrado
A imprensa de São Paulo costuma dar grande destaque aos episódios da violência no Rio.
Mas em geral dedica pouca atenção à crônica dos crimes na capital paulista.
Com exceção dos episódios que paralisam a cidade, como os ataques do grupo organizado que de denomina PCC, ou quando a vítima é uma celebridade, os jornais agem como se estivessem sediados no Canadá.
Assassinatos se tornam corriqueiros, e a violência cresce sob o manto da banalidade.
Alberto Dines:
– Completou-se ontem nas páginas dos jornais paulistanos um cursinho de jornalismo denominado ‘como esconder a violência e enganar o cidadão’. Tanto a Folha como o Estado esclareceram a morte do jornalista Alexandre Martins de Paula, de 25 anos, assassinado na noite de 27 de Fevereiro na porta da TV Cultura onde trabalhava. Com notícias de pouco mais de 20 linhas escondidas no caderno de notícias locais, elucidou-se o crime com a prisão do segundo suspeito de ter tirado a vida do jornalista – um menor de 17 anos.
Na noite do crime a polícia paulista já havia prendido em flagrante outro menor, também de 17 anos, armado com um revólver calibre 38. Caso encerrado: a polícia cumpriu com o seu dever, a imprensa cumpriu com o seu dever. Dentro de alguns anos os assassinos estarão livres para cometer outros crimes. Eventualmente contra outros jornalistas. Coisas da vida de uma grande cidade e da sua pequena e insensível imprensa.